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A (im)penhorabilidade de valores inferiores a quarenta salários-mínimos na ausência de manifestação do executado

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O Código de Processo Civil, em seu art. 833, inciso X, prevê como impenhoráveis os valores inferiores a quarenta salários-mínimos depositados em caderneta de poupança.

Por este motivo, durante processos de execução, é possível alegar o desvirtuamento da Conta Poupança – ou seja, quando o executado utiliza conta poupança como conta corrente – para defender o bloqueio de valores, inferiores ao previsto legalmente, mesmo que depositados na caderneta [1]:

Recentes decisões do c. Superior Tribunal de Justiça, porém, demonstram entendimento diverso. Seriam considerados impenhoráveis valores inferiores a quarenta salários-mínimos também em contas de outra natureza.

Em outubro de 2021, decisão monocrática proferida pelo ministro Marco Aurélio Bellizze reformou Acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo para considerar impenhoráveis “valores pertencentes ao devedor, até o limite de 40 salários-mínimos, mantidos em contracorrente, caderneta de poupança ou fundos de investimentos”. No caso, os executados alegavam que os proventos eram decorrentes do recebimento de aposentadoria. O Recurso Especial foi provido, para desbloqueio total de valores, alegando que a decisão originária – que ponderou a regra da impenhorabilidade – iria contra ao atual entendimento do STJ [2].

Mesmo nas decisões mais recentes, porém, são verificados entendimentos diversos. Destaca-se decisão também do STJ, que negou provimento a Agravo que buscava a admissão de Recurso Especial. O recurso pretendia reformar a decisão do tribunal de origem que considerou penhoráveis valores decorrentes de conta corrente, com sobras de provento de aposentadoria que perderam a natureza alimentar. O voto demonstrou que “esta Corte, sobre o tema, considera que a regra geral da impenhorabilidade pode ser excepcionada, ainda que para satisfazer crédito não alimentar, desde que ressalvado percentual para manter a dignidade do devedor e de sua família” [3]:

AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 1814463 – SP (2021/0011302-3) DECISÃO Trata-se de agravo nos próprios autos (CPC/2015, art. 1.042) interposto por ELIETE DE ALMEIDA REIS contra decisão que inadmitiu o recurso especial porque não demonstrada violação de lei (e-STJ fls. 603/605). (…) Assim, possível a penhora, ressalvando-se a dignidade do devedor e de sua família. No caso, o acórdão esclareceu que foi levantada a penhora sobre o valor de R$ 998,00 (novecentos e noventa e oito reais), restando duas penhoras sobre quantias de R$ 26,20 (vinte e seis reais e vinte centavos) e R$ 37,59 (trinta e sete reais e cinquenta e nove centavos). Como se verifica, foram preservados valores suficientes para manter a dignidade da parte devedora. Diante do exposto, NEGO PROVIMENTO ao agravo.

O voto demonstra que a regra geral da penhorabilidade busca garantir a dignidade do devedor e de sua família. Deste modo, nos casos em que o executado é representado por curador especial, após ter atuado como réu revel citado por edital ou com hora certa (como determina o art. 72 do Código de Processo Civil), tem-se um aprofundamento maior na discussão sobre a possibilidade de considerar, de plano, a impenhorabilidade de valores inferiores a quarenta salários-mínimos. Na ausência de manifestação do próprio executado, não seriam expostos documentos para demonstrar a impenhorabilidade – que seria declarada somente no caso de presunção absoluta.

Cabe ressaltar que o art. 854 do Código de Processo Civil prevê, em seu § 3, inciso I, que incumbe ao executado, no prazo de cinco dias, comprovar que “as quantias tornadas indisponíveis são impenhoráveis”. Questiona-se, portanto, a possibilidade de presumir a impenhorabilidade na ausência de manifestação direta do executado.

Decisões do e. Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, como as expostas abaixo, consideraram a possibilidade de manutenção de penhora nestas circunstâncias. O entendimento, em síntese, foi de que valores inferiores a quarenta salários-mínimos não seriam sempre impenhoráveis, devendo haver comprovação sobre a natureza do montante – o que seria ônus do executado [4 e 5]:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO FISCAL. BLOQUEIO DE VALORES VIA BACENJUD. DECISÃO QUE INDEFERIU IMPUGNAÇÃO APRESENTADA PELA CURADORA ESPECIAL. ALEGADA IMPENHORABILIDADE DO MONTANTE BLOQUEADO COM AMPARO NO ART. 833, X, DO CPC. IMPOSSIBILIDADE DE CONSTRIÇÃO QUE NÃO SE PRESUME TÃO SOMENTE PELO FATO DE SER A QUANTIA INFERIOR A 40 SALÁRIOS MÍNIMOS. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE QUE OS VALORES SE ENCONTRAM MANTIDOS EM CADERNETA DE POUPANÇA. ÔNUS QUE INCUMBE AO EXECUTADO. ART. 854, § 3º, I, DO CPC. INÉRCIA DO DEVEDOR POR MAIS DE CINCO ANOS QUE FAZ PRESUMIR A AUSÊNCIA DE PREJUÍZOS. PRECEDENTES. DECISÃO MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. REVOGAÇÃO DA MEDIDA LIMINAR CONCEDIDA EM SEDE RECURSAL.

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE BUSCA E APRENSÃO EM ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM FASE DE CUMPRIMENTO DE SENTEÇA. DECISÃO QUE INDEFERIU IMPUGNAÇÃO À PENHORA APRESENTADA PELA CURADORA ESPECIAL. ALEGADA IMPENHORABILIDADE DO MONTANTE BLOQUEADO COM AMPARO NO ART. 833, X, DO CPC. IMPOSSIBILIDADE DE CONSTRIÇÃO QUE NÃO SE PRESUME TÃO SOMENTE PELO FATO DE SER A QUANTIA INFERIOR A 40 SALÁRIOS MÍNIMOS. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE QUE OS VALORES SE ENCONTRAM MANTIDOS EM CADERNETA DE POUPANÇA. ÔNUS QUE INCUMBE AO EXECUTADO. ART. 854, § 3º, I, DO CPC. INÉRCIA DO DEVEDOR QUE FAZ PRESUMIR A AUSÊNCIA DE PREJUÍZOS. PRECEDENTES. JUÍZO A QUO QUE DETERMINOU A INTIMAÇÃO PESSOAL DO DEVEDOR, DE MODO A VIABILIZAR EVENTUAIS IMPUGNAÇÕES. DECISÃO MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. REVOGAÇÃO DA MEDIDA LIMINAR CONCEDIDA EM SEDE RECURSAL.

Novamente, é possível verificar decisões em sentido contrário. O e. Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, em situação análoga – também com executado representado pela Defensoria Pública, que não apresentou documentação – considerou a impenhorabilidade absoluta dos valores [6]:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. DECISÃO QUE REJEITOU A TESE DE IMPENHORABILIDADE. ALEGAÇÃO DO AGRAVANTE DE QUE A QUANTIA BLOQUEADA, POR SER INFERIOR A QUARENTA SALÁRIOS MÍNIMOS, É IMPENHORÁVEL. ACOLHIMENTO. INTERPRETAÇÃO EXTENSÍVEL DO ART. 833, INCISO X, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. ENTENDIMENTO DE ACORDO COM O STJ E TJPR. IRRELEVÂNCIA DA NATUREZA DA CONTA BANCÁRIA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.

Quando os casos chegam ao STJ, novamente há divergência. Decisões admitem a impenhorabilidade absoluta de valores inferiores a quarentena salários-mínimos, independentemente da conta corrente [7]:

“(…) é absolutamente impenhorável valor depositado em caderneta de poupança, papel-moeda ou conta corrente até o limite de 40 salários mínimos, devendo-se ter, quanto a esse comando, interpretação restritiva, admitindo-se, apenas, a mitigação dessa ordem, no caso de pensão alimentícia, ou se comprovada má-fé ou fraude, o que não é o caso dos autos, mesmo havendo movimentações atípicas dos referidos valores. (…)”

Por outro lado, há a inadmissibilidade de Recurso Especial interposto visando o desbloqueio de valores penhorados nas mesmas características, em que o Tribunal de Origem entendeu pela possibilidade da penhora justamente pela inércia do executado. O fundamento sobre a inércia foi considerado como não atacado, e suficiente para manutenção da decisão originária [8]:

AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 1965165 – PR (2021/0262401-0) DECISÃO (…) Ação: execução de título extrajudicial ajuizada por M. CAMPELLI LITDA em face do agravante. Decisão interlocutória: indeferiu o pedido de desbloqueio de valor penhorado em conta bancária do agravante. Acórdão: negou provimento ao recurso do agravante, nos termos da seguinte ementa: (…) IMPENHORABILIDADE NÃO CONSTATADA. AUSÊNCIA DE PROVA. ÔNUS DO DEVEDOR (CPC, ART. 854, § 3º, I). CARÁTER DIMINUTO DO MONTANTE BLOQUEADO EMCOMPARAÇÃO AO TOTAL DA DÍVIDA, ADEMAIS, QUE NÃO IMPEDE A PENHORA OU JUSTIFICA O SEU DESBLOQUEIO. MANUTENÇÃO DA CONSTRIÇÃO. AUSÊNCIA DE PROVA, ADEMAIS, DE QUE O BLOQUEIO TROUXE PREJUÍZOS À DIGNIDADE DODEVEDOR E SUA FAMÍLIA. PRECEDENTES. DECISÃO MANTIDA. AGRAVO DE INSTRUMENTO CONHECIDO E NÃOPROVIDO. (…) RELATADO O PROCESSO, DECIDE-SE. Julgamento: aplicação do CPC/2015. – (…) Da existência de fundamento não impugnado O agravante não impugnou o fundamento utilizado pelo TJ/PR de que após a constrição do valor, a parte executada permaneceu inerte, o que não se coaduna com a proteção à quantia que teria natureza alimentar, indispensável à sua sobrevivência, e impenhorável, portanto, razão pela qual deve ser mantido o acórdão recorrido. Aplica-se, na hipótese, a Súmula 283/STF. – Do reexame de fatos e provas Alterar o decidido no acórdão impugnado, no que se refere à falta de comprovação de que o valor penhorado se tratava de verba alimentar ou salarial, exige o reexame de fatos e provas, o que é vedado em recurso especial pela Súmula 7/STJ. Forte nessas razões, CONHEÇO do agravo e, com fundamento no art. 932, III, do CPC/15, NÃO CONHEÇO do recurso especial.

Desta forma, mostra-se que a discussão sobre a penhorabilidade de salários inferiores a 40 salários-mínimos permanece aberta – e a divergência cresce nos casos em que os executados não apresentam manifestação.

 

REFERÊNCIAS

1 – STJ – AgInt no AREsp: 1406166 SP 2018/0313900-2, Relator: Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, Data de Julgamento: 22/06/2020, T1 – PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 25/06/2020)

2 – STJ – REsp: 1955830 SP 2021/0261311-5, Relator: Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Data de Publicação: DJ 26/10/2021

3 – STJ – AREsp: 1814463 SP 2021/0011302-3, Relator: Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, Data de Publicação: DJ 18/05/2021

4 – TJPR – 2ª C. Cível – 0024423-71.2021.8.16.0000 – Arapongas – Rel.: JUIZ DE DIREITO SUBSTITUTO EM SEGUNDO GRAU RODRIGO FERNANDES LIMA DALLEDONE – J. 05.08.2021

5 – TJPR – 2ª C. Cível – 0049172-55.2021.8.16.0000 – Curitiba – Rel.: JUIZ DE DIREITO SUBSTITUTO EM SEGUNDO GRAU RODRIGO FERNANDES LIMA DALLEDONE – J. 29.10.2021

6 – TJPR – 4ª C. Cível – 0030471-46.2021.8.16.0000 – Curitiba – Rel.: DESEMBARGADORA MARIA APARECIDA BLANCO DE LIMA – J. 30.08.2021

7- STJ – AREsp nº 1.767.245/PR, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, DJe 03/03/2021

8 – STJ – AREsp: 1965165 PR 2021/0262401-0, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Publicação: DJ 11/10/2021

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