Por Giovana Novaes, advogada do Núcleo Contencioso na Poletto & Possamai Sociedade de Advogados.
As raízes do Direito Tributário enquanto ciência autônoma no Brasil remontam a clássica definição do tributarista Alfredo Augusto Becker[1]: vivemos em um manicômio jurídico-tributário. A alcunha dada pelo jurista ao sistema tributário brasileiro, ainda nos idos de 1989, quando publicada sua obra “Carnaval Tributário”, permanece atual: nossa legislação tributária e fiscal é caótica e disfuncional.
De acordo com o relatório Doing Business, divulgado pelo Banco Mundial em 15 de junho de 2021[2], o Brasil é líder em tempo gasto com obrigações acessórias – variando de 1.483 a 1.501 horas por ano, em um intervalo que leva em consideração o preparo, a declaração e o pagamento do imposto. Esse sistema excessivamente burocrático, porém nada eficiente, também é retratado no último relatório do Instituto de Planejamento de Estudos Tributários (IPET)[3]. O estudo revela que, desde a promulgação da Constituição de 1988, quase 6 milhões e meio de normas de caráter fiscal foram editadas, entre leis, decretos e normas complementares de todos os entes federativos.
Ainda que tardia, a proposta de Reforma Tributária surgiu com a promessa de simplificar e reformular a forma de arrecadação e reverter o cenário de incertezas e insegurança jurídica (enfim, o manicômio) característico de nosso sistema tributário nacional. Atualmente, duas são as principais propostas mais abrangentes em mesa: a PEC 45/2019, de iniciativa da Câmara, e a PEC 110/2019, de iniciativa do Senado.
A primeira tem por objetivo unificar pelo menos cinco tributos incidentes sobre o consumo: PIS/PASEP, COFINS, IPI, ICMS e ISS. Um dos objetivos é substitui-los por um imposto único – o Imposto Sobre Bens e Serviços (IBS), segundo o parecer final lido no dia 12 de maio de 2021 e que agora segue para o Senado. A segunda, por sua vez, é mais ampla e objetiva a substituição de nove tributos já existentes (IPI, IOF, PIS, PASEP, COFINS, CIDE-Combustíveis, Salário-Educação, ICMS e ISS) pelo IBS, cuja alíquota poderá variar de acordo com cada produto e serviço, sendo a mesma em todo território nacional.
Há, ainda, uma terceira proposta encabeçada pelo Governo Federal (PL 3887/2020). A iniciativa não é considerada uma reforma propriamente dita, mas uma tentativa de mera simplificação do PIS/PASEP e da COFINS, substituindo-os pela CBS – Contribuição sobre Bens e Serviços, com alíquota de 12% para empresas em geral e 5% para entidades financeiras como bancos, planos de saúde e seguradoras.
As propostas ainda são imperfeitas e não há como se afirmar com precisão em qual medida impactarão na diminuição da carga tributária e na redução das distorções setoriais, geográficas, principalmente entre pequenas e médias empresas. Igualmente, é necessário ponderar que as reformas, tais como concebidas, atingirão em maior proporção os contribuintes prestadores de serviços, que terão uma alíquota unificada. A expectativa é de que uma reforma pautada na desoneração da folha, nos termos já anunciados pelo Governo Federal[4], sirva para equilibrar estas mazelas.
A despeito disso, não se pode negar que a unificação dos tributos por meio das propostas em trâmite desempenha um papel importante sobre as obrigações acessórias (deveres instrumentais), a exemplo do proposto pela EC 45/2019, em que o novo tributo poderá ser calculado com base nas notas fiscais eletrônicas emitidas pelos contribuintes – muito embora não se compreenda exatamente como seria possível aglutinar todos os documentos fiscais eletrônicos em um só (no âmbito do SPED).
Com isso, a promessa é de que a simplificação nos moldes de imposto único proposto pelas duas PECs em mesa, ainda que não tenha o condão de repercutir diretamente na redução da carga tributária, reverterá em benefícios como: diminuição do custo excessivo de cumprimento das obrigações tributárias e acessórias, com impacto no Custo Brasil, redução da litigiosidade, principalmente no âmbito no Poder Judiciário, inserção de regras mais claras, homogêneas e estáveis em detrimento do que se tem hoje essencialmente em relação aos impostos devidos ao longo da cadeia produtiva, redução do espaço para divergências interpretativas sobre normas tributárias e de contingências fiscais e abertura de ambiente mais favorável à competitividade e aos investimentos.
Entre prós e contras, ainda há muito por vir em termos de ajustes e maior transparência, sendo necessário fomentar o debate e a reflexão em torno das propostas formuladas a fim de que se possa avançar rumo à uma reforma que efetivamente contribua para a construção de um sistema tributário simplificado, transparente e equânime.
[1] BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do direito tributário. 3. ed. São Paulo: Lejus, 2018. p. 265.
[2] Disponível em: https://portugues.doingbusiness.org/pt/data/exploretopics/paying-taxes
[3] Disponível em: https://www.ibpt.org.br/estudo-sobre-a-quantidade-de-normas-editadas-no-brasil-desde-a-ultima-constituicao-2020/
[4] Disponível em: https://valor.globo.com/brasil/noticia/2020/09/24/nova-fase-da-reforma-tera-desoneracao-da-folha-e-novo-imposto.ghtml