Conteúdo

Alcance do prazo prescricional nos contratos de mútuo sucessivamente renovados

Por

Buscando preencher as lacunas do nosso ordenamento jurídico, tornou-se questão problemática e tema de debate em tribunais, o alcance do prazo prescricional nos contratos de mútuo sucessivamente renovados. Devido à omissão do Código Civil, o ponto que gerava incerteza era a data a ser considerada para a prescrição do contrato: a do acordo original ou do último acordo firmado entre as partes.

O contrato de mútuo é baseado no empréstimo de coisa fungível ou consumível, cuja propriedade é transferida do mutuante ao mutuário, ficando este na obrigação de restituir coisa do mesmo gênero, quantidade e qualidade. Também conhecido como empréstimo de consumo, no mútuo, o único interesse econômico do mutuário é consumir a coisa emprestada.[1]

No ambiente corporativo, o contrato de mútuo aparece, em sua maioria, nas relações de financiamento e investimento financeiro. Sua versão mais famosa são os empréstimos bancários, quando empresas emprestam dinheiro de instituições bancárias, por meio de contratos de mútuo, que regulam o negócio jurídico ali firmado.

A situação de atraso na restituição do bem fungível (coisa ou valor) coloca o mutuário em situação de quebra de contrato, em que cabe ao mutuante ingressar com um processo de cobrança ou acionar as garantias fornecidas no contrato. Para usufruir do seu direito de ingressar na justiça, é necessária a verificação do prazo prescricional. [2]

Seguindo os passos do direito alemão, o Código Civil de 2002, conceitua a prescrição como a perda da pretensão ao exercício do direito de ação e faz extinguir o direito de uma pessoa a exigir de outra uma prestação (ação ou omissão), ou seja, provoca a extinção da pretensão quando não exercida no prazo definido na lei. [3]

A questão do prazo prescricional foi tópico de diversos debates no âmbito jurídico. Partindo de uma análise jurisprudencial, fica clara a vontade dos tribunais brasileiros em pacificar o entendimento sobre esse assunto. Prévias decisões do Superior Tribunal de Justiça (STJ) trabalhavam com um prazo prescricional de três anos para indenizações resultantes de violações contratuais, conforme Recurso Especial 1.281.594 – SP.[4] Porém, em julgados mais recentes, ficou pacificado pelo STJ o entendimento que o prazo prescricional na responsabilidade contratual é de dez anos e na responsabilidade extracontratual é de três anos, partindo do pressuposto do Art. 205 do Código Civil de 2022, segundo o julgamento dos embargos de Divergência no Recurso Especial 1.280.825 – SP, julgado em 27.06.2018.[5]

Dessa forma, não se discute que, para as ações revisionais de contratos bancários, deve-se aplicar o prazo de 20 anos para as situações que se enquadrem no Código Civil de 1916 e de 10 anos para as do Código Civil de 2002. No entanto, uma vez definido o prazo prescricional, é necessário verificar o início deste nos contratos renovados sucessivamente.

Em uma análise objetiva do Recurso Especial 1.996.052[6], o Superior Tribunal de Justiça afastou a tese do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul que firmava o alcance do prazo prescricional da ação revisional de contrato de mútuo em dez anos, contados a partir da sua celebração, ainda que tenha havido sucessivas repactuações, à luz do princípio da actio nata.

Ao julgar o Recurso, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça determinou que, no caso de sucessivas renovações negociais, em virtude da continuidade e da relação entre os contratos firmados, o prazo prescricional deve ser contado a partir da data de assinatura do último deles e não do primeiro.

A relatora, ministra Nancy Andrighi afirmou que “havendo sucessão negocial com repactuação de dívidas, é imperiosa a necessidade de apuração da data da assinatura do último contrato renovado para verificar a ocorrência ou não da prescrição”.

Dessa forma, foi pacificado o entendimento de que, nos casos de renovação sucessiva de contrato, o alcance do prazo prescricional deve ter como marco inicial a da data de celebração do último acordo firmado entre as partes. Cumpre-se notar no caso de sucessivas renovações negociais, em virtude da continuidade e da relação jurídica entre os contratos firmados.

 

[1] MORAES DE MELLO, Cleyton. Direito Civil – Contratos – 2ª Edição. Editora Freitas Bastos (2017). Pág. 366.

[2] FACCHINI, Tiago. Contrato de mútuo: o que é, quando usar e como elaborar. In: Projuris. 3 de agosto de 2022

[3] THEODORO JÚNIOR, Humberto. Alguns aspectos relevantes da prescrição no novo Código Civil. (2003) – Pág. 5

[4] STJ – REsp: 1.281.594 – SP, Relator: Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Data de Julgamento: 22/11/2016, T3 – TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 28/11/2016)

[5]STJ – EREsp: 1.280.825 – RJ, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Publicação: DJe 23/11/2017)

[6] STJ – Resp: 1.966.052 – RS, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, – Data de Julgamento: 17/05/2022, T3 – TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 19/05/2022)

Compartilhe nas redes sociais

Newsletter

Assine e receba nossas atualizações e conteúdos ricos exclusivos