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O Recall e sua cobertura nos contratos de seguro

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Por Mariana Domingues Alves, Advogada do Núcleo de Contencioso do Poletto & Possamai.

Comportamentos orientados a evitar ou mitigar danos aos consumidores são imprescindíveis, em respeito à máxima da efetiva prevenção de danos. Trata-se de direito básico do consumidor, preceituado no art. 6º, VI da Lei 8.078/90 – Código de Defesa do Consumidor. Como forma de implementar esse direito, o CDC criou alguns instrumentos. Um deles é o recall, que consiste na adoção de uma série de medidas pelo fornecedor para resguardar a saúde e a segurança dos consumidores, quando constatada a introdução de produtos ou serviços defeituosos no mercado. É evidente que o recall gera impactos nas diversas esferas da atividade empresarial. Considerando os múltiplos riscos empresariais envolvidos, o instituto ganhou relevância no mercado securitário, de modo que as despesas para se realizar as obrigações do recall se tornaram riscos cobertos em contratos de seguro.

O recall – também denominado de processo ou campanha de chamamento – é definido como o “procedimento pelo qual o fornecedor, constatando que colocou no mercado produto ou serviço defeituoso, promove a informação ao público quanto a este fato, e adota as providências necessárias para corrigir o defeito ou retirar o produto do mercado, visando assegurar a incolumidade psicofísica e patrimonial dos consumidores.”[1]. Possui base legal nos parágrafos do art. 10 do CDC e na atual regulamentação disposta na Portaria do Ministro n. 618/2019, além de outras normas regulamentares, a exemplo da portaria sobre recall de veículos (Portaria Conjunta n. 3/2019).

O CDC estabelece que o fornecedor não poderá colocar no mercado de consumo produto ou serviço que sabe ou deveria saber apresentar alto grau de nocividade ou periculosidade à saúde ou à segurança (art. 10, caput, do CDC). Assim sendo, o objetivo do recall é proteger os consumidores de danos à saúde e segurança que possam ser gerados por produtos e serviços de que se teve conhecimento de sua nocividade ou periculosidade após a introdução desses no mercado de consumo. Dele se origina o dever primeiro do fornecedor de comunicar o fato imediatamente às autoridades competentes e aos consumidores por meio de anúncios publicitários (art. 10, §1º do CDC).

Dados recentes sobre o tema indicam que, em 2021, mais de 32 milhões de produtos foram objeto de recall no Brasil, de acordo com o relatório “Consumidor em Números 2021”[2], desenvolvido pela Secretaria Nacional do Consumidor. Ao total, 126 campanhas de chamamento foram realizadas. Dentre os setores mais afetados estão o de automóveis, com 90 campanhas (770.966 produtos), seguido de 12 campanhas no setor de medicamentos (22.056.646) e 6 no ramo alimentício (9.462.393 produtos), além de outros setores com campanhas em menor número.

Independentemente do setor ou mesmo da dimensão de produtos ou serviços afetados, fato é que, em âmbito empresarial, o processo de recall inaugura na empresa um cenário de gerenciamento de crise. O fornecedor é demandado a agir com a máxima eficiência na adoção das medidas necessárias à campanha de recall de modo a prevenir danos aos consumidores, sob pena de sofrer sanções administrativas e condenações judiciais.

Neste ponto, a forma como é conduzido o recall – considerando aspectos como comunicação, velocidade, nível de rastreabilidade, articulação com a cadeia de fornecimento – pode impactar nos diversos ativos tangíveis e intangíveis da empresa, sobretudo, na era da sociedade informacional, em sua reputação.

A contratação de seguro específico de recall ou de responsabilidade civil que albergue cobertura adicional para as despesas vinculadas a obrigações provenientes do recall pode representar um importante instrumento à empresa para gerenciar a crise. Em regra, são cobertas as despesas efetuadas pelo segurado (fabricante/fornecedor) para a retirada de produtos defeituosos do mercado, bem como para o armazenamento, substituição ou destruição destes produtos.

De modo exemplificativo, as despesas podem envolver a realização de anúncios em jornais, televisão e demais veículos de comunicação direcionados à coletividade de consumidores; contratação de pessoal para recolher os produtos; transporte dos produtos e acomodação; locação de espaço para armazenamento dos produtos para sua posterior destinação final; dentre outras despesas.

As coberturas e os riscos excluídos variam entre as apólices oferecidas no mercado. Assim, na contratação do seguro, é essencial à empresa observar como o risco foi subscrito, a fim de verificar se atende às necessidades, peculiaridades e complexidades do seu setor produtivo, na hipótese de abertura de um processo de chamamento.

A instrumentalização do recall nos contratos de seguro é um importante exemplo de como o mercado securitário é desafiado diariamente para atender às novas demandas e, portanto, desenvolver-se, a fim de criar instrumentos contratuais eficientes para a mitigação de riscos empresariais.

 

[1] MIRAGEM, Bruno. Curso de Direito do Consumidor, 7 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2018, p. 858.
[2] BRASIL, Ministério da Justiça e Segurança Pública. Consumidor em Números 2021. Disponível em https://www.gov.br/mj/pt-br/assuntos/noticias/consumidor-em-numeros-2021-3-3-milhoes-de-reclamacoes-foram-registradas-em-todo-o-pais/consumidor-em-numeros-2021.pdf.

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