
Conflitos são a tônica do Direito. Ele existe porque, antes, existem demandas que exigem soluções. É uma assertiva óbvia que se concretiza nos eventos cotidianos da vida e que são, em maior ou menor escala, regidos pelo Direito. Do nascimento à morte. Se no nascimento prevalecem os sentimentos de contentamento e novidade, na morte imperam a angústia e o sofrimento. É nesse momento que surge, de forma quase impiedosa, a urgência de se arrolar os bens deixados por aquele que falece, já que o legislador previu apressados dois meses para abertura de inventário (art. 611 do Código de Processo Civil).
Nesse cenário, torna-se difícil conciliar a racionalidade exigida na tomada de decisões envolvendo a partilha com o doloroso processo de luto. Com a perda, para além da angústia, emergem os conflitos e, não raro, desentendimentos que se arrastam por anos.
Para as famílias que optam por abrir o inventário, há dois caminhos: a via extrajudicial e a judicial. A modalidade extrajudicial foi criada pela Lei 11.441/2007 com o objetivo de conferir maior celeridade e efetividade ao procedimento e, por consequência, contribuir para aliviar a sobrecarga do Poder Judiciário, que, em 2023, finalizou o ano com 83,8 milhões de processos pendentes aguardando resolução definitiva¹.
Nesse procedimento, os bens são arrolados desde logo por meio de escritura pública com a anuência de todos os herdeiros. Além da possibilidade de utilização desse modelo mesmo havendo testamento, conforme já assentado pelo Superior Tribunal de Justiça², a Resolução 571/2024³ passou a admitir esse formato de partilha nos casos em que há herdeiros menores ou incapazes, com ressalvas particulares.
O ideal é que o inventário tramite pela via extrajudicial, sempre que possível. Essa via mitiga a probabilidade de que as discussões interpessoais se prolonguem indefinidamente no âmbito do Poder Judiciário, além de poupar os envolvidos de disputas intermináveis. Isto é, resolvem-se desde logo as amarras emocionais deixadas pelo luto.
Caso esse cenário ideal não se concretize, resta então a figura clássica do inventário judicial, também dividido nos formatos de arrolamento ordinário e arrolamento sumário.
Em todas essas modalidades, a partilha amigável é possível, desde que haja consenso entre os herdeiros. No entanto, a legislação confere ao arrolamento um procedimento específico e mais célere para esses casos, conforme dispõem os artigos 659 a 667 do Código de Processo Civil.
Já o inventário judicial segue o rito ordinário, que se inicia com a abertura do processo seguido das primeiras declarações. Sem consenso, o procedimento pode se estender por um longo e trabalhoso trâmite. Nessa fase, os herdeiros podem impugnar a forma de partilha, sobretudo quando há a figura da colação, ou ainda questionar o valor atribuído aos bens, buscando assegurar a máxima igualdade na distribuição dos quinhões. Os processos podem passar por avaliações, que, além de demoradas e muitas vezes desnecessárias, oneram o espólio.
Buscando apaziguar conflitos, destacam-se figuras e mecanismos importantes. O inventariante pode ser citado inicialmente como um deles. Embora a lei confira as primeiras preferências ao cônjuge e aos herdeiros, sendo natural supor que possuam interesse direto na causa, a função do inventariante é a de representar e administrar o espólio com diligência e lisura, zelando pela preservação do patrimônio até ultimada a partilha, podendo, inclusive, transigir em juízo ou fora dele. Evidente o seu papel de encorajar a conciliação sempre que possível.
Em situações de maior complexidade ou de intensa animosidade entre as partes, ganha relevância a atuação do inventariante dativo, nomeado pelo juízo quando os interessados não alcançam consenso sobre quem deve assumir a função. Por não ter interesse direto no litígio, esse sujeito exerce um papel que pressupõe a condução imparcial do processo.
Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça já se pronunciou sobre a relevância do inventariante dativo como figura a ser considerada em contextos conflituosos, “sendo possível a flexibilização e a alteração da ordem de legitimados, para se atender às peculiaridades do caso concreto”⁴.
Há situações, no entanto, em que a dificuldade no diálogo entre os envolvidos é resultado da complexidade da partilha, como nos casos em que se faz necessário aplicar o instituto da colação para trazer ao acervo bens que foram doados em vida aos herdeiros ou até mesmo quando não há interesse na permanência de condomínio em relação aos bens que integram o espólio. Nesse contexto, as partes podem se valer do auxílio de profissionais especializados para alcançar uma solução mais assertiva.
Sem prejuízo, o artigo 651 do Código Civil prevê a figura do partidor enquanto auxiliar do juízo. Se houver impasse sobre a forma de divisão dos bens, atribuição dos quinhões ou metologia de cálculo da partilha, o partidor poderá contribuir para dar atendimento à finalidade do art. 648, II do Código de Processo Civil, em especial na prevenção de litígios, como já decidiu o Tribunal de Justiça do Paraná ao ponderar que “tornando-se impossível o acordo entre as partes, mostra-se cabível a nomeação de um partidor judicial.⁵”
Em qualquer cenário, como a dificuldade de estabelecer um diálogo efetivo entre os herdeiros ou a complexidade técnica no cálculo da partilha e atribuição dos quinhões, há que se considerar, à luz do dever antevisto no art. 3º, §§2º e 3º do Código de Processo Civil, a importância da mediação como um caminho a ser explorado para viabilizar a solução consensual e aproximação entre as partes.
A partir dos princípios descritos no art. 2º da Lei 13.140/2025⁶, infere-se que a aplicação da mediação no âmbito dos processos de inventário tem fértil potencial de fornecer espaço seguro e confiável para o restabelecimento de diálogos prejudicados por laços afetivos rompidos e promover a construção conjunta de soluções possíveis e criativas para os conflitos apresentados. Mais do que resolver a disputa que se apresenta, a mediação pode ser essencial para reorientar relações comprometidas pelo desgaste emocional de longa data.
Por fim, merece destaque o papel do advogado como ator estratégico na prevenção de litígios, inclusive no campo dos conflitos sucessórios. Sua atuação pode se manifestar tanto na condução harmoniosa e técnica do processo quanto na estruturação de planejamentos sucessórios prévios, contribuindo para evitar disputas futuras ou, ao menos, torná-las mais suscetíveis ao consenso.
¹ CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (CNJ). Justiça em números 2024: ano-base 2023. Brasília: CNJ, 2024. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2024/05/justica-em-numeros-2024-v-28-05-2024.pdf. Acesso em: 27 jun. 2025.
² Superior Tribunal de Justiça. Existência de testamento não impede inventário extrajudicial se os herdeiros são capazes e concordes. Brasília: STJ, 22 nov. 2022. Disponível em: https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/2022/22112022-Existencia-de-testamento-nao-impede-inventario-extrajudicial-se-os-herdeiros-sao-capazes-e-concordes.aspx. Acesso em: 29 jun 2025.
³ Conselho Nacional de Justiça. Resolução nº 571, de 16 de abril de 2024. Dispõe sobre a lavratura de escritura pública de inventário e partilha envolvendo herdeiros incapazes. Diário da Justiça Eletrônico, Brasília, DF, 17 abr. 2024. Disponível em: https://atos.cnj.jus.br/files/original2309432024083066d251371bc21.pdf. Acesso em: 30 jun. 2025.
⁴ STJ – AgInt nos EDcl no AREsp: 1414100 SP 2018/0314753-3, Relator.: Ministro RAUL ARAÚJO, Data de Julgamento: 30/10/2023, T4 – QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 09/11/2023.
⁵ TJ-PR – AI: 00262817420208160000 PR 0026281-74.2020 .8.16.0000 (Acórdão), Relator.: Desembargador Sigurd Roberto Bengtsson, Data de Julgamento: 13/10/2020, 11ª Câmara Cível, Data de Publicação: 15/10/2020
⁶ Art. 2º A mediação será orientada pelos seguintes princípios: I – imparcialidade do mediador; II – isonomia entre as partes; III – oralidade; IV – informalidade; V – autonomia da vontade das partes; VI – busca do consenso; VII – confidencialidade; VIII – boa-fé.