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A constituição do título executivo judicial na Ação Monitória

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Por Leticia Klechowicz, advogada do núcleo Contencioso da Poletto & Possamai.

A Ação Monitória está prevista nos artigos 700 e seguintes do Código de Processo Civil, dentro do Título III. Trata-se de um dos chamados procedimentos especiais. Em síntese, é concedido ao credor, munido de prova documental de seu crédito, desprovida de força executiva, constituir este título executivo com maior celeridade.

O juiz, após analisar a evidência do direito do autor, determina a expedição de mandado de pagamento (ou outra forma de cumprimento da obrigação). Dentro de quinze dias, o réu deve realizar o cumprimento, adimplindo também com honorários advocatícios fixados em 5% sobre o valor da causa. Em igual prazo, pode apresentar Embargos à Ação Monitória (art. 701 e 702 do CPC).

Quando exercida, pelo réu, a última opção, a decisão do juízo que acolhe ou rejeita os embargos tem natureza incontroversa de sentença. Isto porque, contra ela, é cabível recurso de apelação, conforme disposição do § 9, art. 702 do Código de Processo Civil. Já quando não há manifestação do réu, o título executivo judicial deve ser constituído de pleno direito, como dispõe o § 2 do artigo 701 do mesmo Código.

A constituição de pleno direito do título executivo, após a inércia do réu, é o objeto desta breve exposição.

Wambier e Talamini afirmam que, neste caso, a tutela jurisdicional condenatória é produzida independentemente de sentença. A decisão inicial do juiz constituiria o título executivo judicial. Os autores refletem sobre a situação para analisar situação específica sobre o reexame necessário em casos que envolvem a Fazenda Pública – tópico que não será o foco desse artigo. No entanto, refletem que, no caso exposto, haveria formação do título executivo judicial sobre decisão interlocutória, caracterizada pela decisão inicial do procedimento, que determina a expedição do mandado de pagamento. [1]

Se o título executivo judicial é constituído sem sentença, tem-se uma controvérsia sobre a natureza da “decisão” que, após verificar a ausência de manifestação ou pagamento por parte do réu, “declara” o título executivo judicial. Neste cenário, considerando a declaração, tem-se que o pronunciamento do juiz teria natureza de mero despacho.

No entanto, como é depois deste momento que as medidas de execução são iniciadas, pode-se entender que a decisão, na realidade, constitui o título e tem natureza de sentença. Em outra análise, caso novamente se admita a constituição do título neste momento, ainda seria possível supor a natureza interlocutória – visto o caráter decisório, mas a ausência da fase de conhecimento anterior como posta no procedimento comum.

O debate apresentado não tem caráter meramente acadêmico, uma vez que fixar a resposta correta para o questionamento anterior determina qual o recurso – ou a incompatibilidade de qualquer um deles – a ser aplicado contra a decisão – ou despacho.

Em decisão monocrática publicada ao final de 2019, o ministro Marco Aurélio Belizze, do c. Superior Tribunal de Justiça, deliberou sobre a situação. No caso, a ação monitória proposta contou com ausência de pagamento ou manifestação por parte do réu. O autor, após decisão em que foi “declarada a constituição do título executivo judicial”, apresentou Recurso de Apelação – inadmitida pelo Tribunal de Origem. O entendimento do Ministro foi em mesmo sentido, quanto a inadmissibilidade do Recurso. Vejamos [2]:

O novo Código de Processo Civil, além de dispensar expressamente a necessidade de qualquer ato para conversão do mandado monitório em executivo (art. 701, § 2º, do NCPC), ainda determina que se contará da decisão inicial (que determina a expedição do mandado monitório) o prazo para propositura de ação rescisória, na hipótese de ausência de oposição de embargos monitórios pelo devedor (art. 701, §3º, do NCPC). Com efeito, os contornos atuais do procedimento monitório aproximam-no muito mais da atividade judicial homologatória, do que propriamente da atividade jurisdicional. Assim, apresentado em juízo prova da obrigação sem força executiva, o juiz deverá fazer um mero juízo de delibação, tal qual o que se realiza na homologação judicial de acordos, porém em momento processual prévio à manifestação do devedor. Mantendo-se inerte o devedor, tem-se, mais do que a mera ausência de defesa, sua anuência com a formação do título executivo, restringindo a atividade jurisdicional àquele juízo de delibação. (…) Diante desse panorama, ainda que se tenha aqui um terreno espinhoso, pode-se concluir que a conversão do mandado monitório em executivo opera-se ope legis, na hipótese de ausência de embargos monitórios. Desse modo, ausente o requisito essencial de conteúdo decisório, aquela “decisão”, que converteu os embargos monitórios em executivo, proferida pelo juízo de piso, tem natureza evidente de mero despacho irrecorrível, portanto, impassível de impugnação pela via do recurso de apelação.

Tem-se, assim, o entendimento pela natureza de despacho do pronunciamento judicial, que apenas teria declarado o título executivo judicial já constituído.

Outra decisão do c. Superior Tribunal de Justiça repetiu recentemente esta análise. Destaca-se voto da Relatora Ministra Nancy Andrighi que reconheceu a natureza de despacho [3]:

AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO MONITÓRIA. CONVERSÃO DO MANDADO DE PAGAMENTO EM MANDADO EXECUTIVO. NATUREZA JURÍDICA DO ATO JUDICIAL. DESPACHO. IRRECORRIBILIDADE. 1. O ato judicial que determina a conversão do mandado de pagamento em executivo é mero despacho, razão pela qual é irrecorrível. Precedentes. 2. Agravo interno desprovido.

A aplicação deste entendimento pelos Tribunais, no entanto, não é unânime. Como exemplo, utilizam-se decisões do e. Tribunal de Justiça do Estado do Paraná – utilizado como parâmetro de comparação em decorrência da localidade do escritório em que se publica este artigo.

Em julgamento de 2018, a c. 12ª Câmara Cível do e. Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, em aplicação do atual Código de Processo Civil, entendeu que o Recurso de Apelação seria, sim, cabível. Destacou que há “dúvida na jurisprudência quanto à possibilidade de interposição de agravo de instrumento ou apelação nestes casos”, mas que o próprio juízo teria nomeado a decisão como “sentença”. Restou assim emendado o acórdão [4]:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO MONITÓRIA. AUSÊNCIA DE PAGAMENTO E DE EMBARGOS. CONVERSÃO DO MANDADO MONITÓRIO EM TÍTULO EXECUTIVO JUDICIAL. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.CABIMENTO NO PERCENTUAL DE 5%. DECISÃO REFORMADA. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.

Destaca-se que a decisão anterior expôs dúvida entre a interposição de Agravo de Instrumento ou de Apelação, admitindo, assim, que a decisão seria recorrível – sentido contrário ao entendimento inicialmente exposto.

Ademais, neste sentido, também foram recentemente publicados acórdãos que reconheceram como correta a interposição do recurso de Agravo de Instrumento. O entendimento destacado abaixo foi de que o recurso seria cabível na fase de cumprimento de sentença, e que a questão recorrida no caso concreto – sobre fixação de honorários – “se enquadra na fase de cumprimento de sentença” [5]:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO MONITÓRIA. – MANDADO MONITÓRIO EXPEDIDO COM VERBA HONORÁRIA ADVOCATÍCIA DE 5% PARA A HIPÓTESE DE PAGAMENTO NO PRAZO LEGAL. BENEFÍCIO QUE NÃO SE APLICA EM CASO DE NÃO PAGAMENTO E CONSTITUIÇÃO DO TÍTULO EXECUTIVO JUDICIAL. SITUAÇÃO EM QUE A VERBA HONORÁRIA DE SUCUMBÊNCIA DEVE SER ARBITRADA COM BASE NO ART. 85, § 2º, CPC – VERBA HONORÁRIA FIXADA EM 10% DO VALOR ATUALIZADO DO CRÉDITO. – AGRAVO DE INSTRUMENTO CONHECIDO E PROVIDO”.

Cabe ressaltar, ainda, que a decisão considerou devidos honorários de 10% (dez por cento) ao agravante, como dispõe o art. 85, § 2, do Código de Processo Civil. O valor de 5% (cinco por cento) determinado no mandado inicial de pagamento seria apenas uma oportunidade de benefício ao réu, para pagamento de plano – o que, no caso, não ocorreu.

Deste modo, na prática, verificam-se ainda diversas discussões sobre a natureza jurídica da decisão que constitui o título executivo judicial nos casos em que não há manifestação do réu. Apesar das decisões do c. Superior Tribunal de Justiça, notam-se divergências relevantes em decisões dos tribunais que analisam a situação.

Admitir a natureza de despacho da decisão a transformaria em irrecorrível, quer seja por Recurso de Apelação, quer por Agravo de Instrumento. Mostra-se, assim, a relevância do debate – em especial, considerando que irrecorribilidade seria um prejuízo ao autor da ação monitória, caso restem pontos de discordância sobre o pronunciamento/decisão que constituiu o título executivo judicial.


REFERÊNCIAS

1 – WAMBIER, Luiz Rodrigues; TALAMINI, Eduardo. Curso Avançado de Processo Civil – vol. 02. 16ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 457

2 – STJ – REsp: 1837740 BA 2019/0273326-2, Relator: Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Data de Publicação: DJ 02/10/2019

3 – STJ – AgInt no REsp: 1947656 MG 2021/0074385-6, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 20/09/2021, T3 – TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 22/09/2021

4 – TJ-PR – APL: 16713325 PR 1671332-5 (Acórdão), Relator: Juiz Alexandre Gomes Gonçalves, Data de Julgamento: 25/04/2018, 12ª Câmara Cível, Data de Publicação: DJ: 2258 14/05/2018

5 – TJ-PR – AI: 00295598320208160000 PR 0029559-83.2020.8.16.0000 (Acórdão), Relator: Juiz Rafael Vieira de Vasconcellos Pedroso, Data de Julgamento: 15/12/2020, 9ª Câmara Cível, Data de Publicação: 15/12/2020

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