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Nova Lei de Licitações: o que esperar?

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Por Iorhana Maiara Aguilera Tozoni, advogada no Núcleo Contencioso da Poletto & Possamai Sociedade de Advogados.


O regramento técnico e jurídico relacionado às licitações e contratos com a Administração Pública encontra-se defasado e desatualizado. Diante disso, após algumas alterações trazidas ao regime geral de licitações pautado na Lei nº 8.666/93, dentre as quais merecem destaque a Lei do Pregão (Lei 10.520/2002) e o Regime Diferenciado de Contratações Públicas – RDC (Lei 12.462/2011) e a Lei das Estatais (Lei 13.303/2016), está em discussão no Congresso Nacional uma nova lei geral de licitações.

Em setembro de 2019, o texto base foi aprovado pela Câmara dos Deputados, sendo consolidado em Substitutivo da Câmara dos Deputados ao Projeto de Lei nº 1.292-F de 1995 do Senado Federal[1]. O texto consolidado foi remetido ao Senado Federal em outubro e aguarda apreciação.

Considerando este cenário, abordaremos cinco mudanças significativas previstas no projeto da nova lei de licitações.

A primeira mudança, trazida no art. 18, é com relação à fase preparatória do processo de licitação, que passa a ter um papel de maior importância, como meio de solucionar o recorrente problema das contratações frustradas pela Administração Pública e inexecuções contratuais. Isso porque, a previsão é que a fase preparatória do processo de licitação seja caracterizada por um planejamento, que deve “abordar todas as considerações técnicas, mercadológicas e de gestão que podem interferir na contratação[2].

Este ponto é de extrema importância nas alterações trazidas pela nova lei, uma vez que os estudos técnicos preliminares elaborados devem analisar os riscos que podem futuramente comprometer a contratação, além de justificar os requisitos previstos no edital de licitação, e realizar um levantamento das características e nuances de mercado.

A segunda mudança é a criação de uma nova modalidade de licitação[1], chamada de “diálogo competitivo”, na qual a administração pública pode realizar diálogos diretamente com os licitantes selecionados para buscar alternativas capazes de atender às suas necessidades. Neste caso, a expectativa é tornar cada vez mais transparente e eficaz a realização do procedimento e diálogo entre as partes (público-privada).

A terceira mudança trazida pela nova lei é a criação de uma matriz de risco a ser incluída no edital, com a finalidade de definir de maneira clara e objetiva os riscos atribuídos ao contratado, bem como a definição de mecanismos que afastem a ocorrência de sinistros e mitiguem seus efeitos, conforme disposto no art. 22, §1º do Projeto de Lei[2].

Outro ponto de destaque que vem sendo alvo de grandes discussões é a possibilidade de contratação integrada, nos casos de execução indireta de obras e serviços de engenharia (art. 45) já prevista na lei do RDC e, hoje, também na Lei das Estatais. Nestes casos, uma mesma empresa pode “ter a seu cargo não só a elaboração dos projetos básico e executivo, como também a sua própria execução, concentrando atividades que, por sua natureza, reclamariam executores diversos[3]. A crítica aqui vem da atual falta de planejamento e especificações do projeto inicial, que consequentemente acarreta em diversas inexecuções contratuais, e frustação do projeto licitatório. No entanto, com a atenção dada pela nova lei à fase preparatória do processo licitatório, acredita-se que há um cenário positivo para sua aplicação.

Por fim, como quinto e último ponto de destaque, o projeto de lei reforça no texto do art. 95, §1º, II[4] c/c art. 96, a opção para contratação de um seguro-garantia (ponto já previsto na lei 8.666/1993), tendo por objetivo a garantia do fiel cumprimento das obrigações assumidas perante à administração, inclusive multas, prejuízos e eventuais indenizações decorrentes de uma futura inexecução contratual.

O projeto de lei, neste ponto, mantém a exigência de seguro-garantia para obras e serviços de maior porte (superior a 200 milhões), para os quais o seguro-garantia poderá ser exigido com cláusula de retomada[1], em percentual equivalente a até 30% (trinta por cento) do valor inicial do contrato, conforme previsão do art. 98.

Ainda, nas contratações de obras, serviços e fornecimentos, a garantia apresentada poderá ser de até 5% (cinco por cento), com possível majoração para 10% (dez por cento), quando devidamente justificado mediante análise da complexidade técnica e dos riscos envolvidos (art. 97)

Diante disso, percebe-se que a nova lei de licitações prevê mudanças significativas nos procedimentos licitatórios, tendo como objetivo principal a solução de falhas e lacunas da atual legislação. Isso porque, como dito, muito embora o projeto de lei apresente algumas incorporações de textos já existentes, traz também mudanças inovadoras e de relevância prática, entre eles um maior planejamento na fase preparatória, um maior diálogo entre as partes no processo, e a exigibilidade da contratação de um seguro-garantia como forma de garantia do contrato.

Todavia, este novo projeto de lei ainda necessita de uma ampla discussão e aplicação na prática, para um maior aperfeiçoamento. Resta, portanto, aguardar a votação junto ao Senado Federal.  

[1] https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1819390&filename=REDACAO+FINAL+-+PL+1292/1995
[2] Art. 18. A fase preparatória do processo licitatório é caracterizada pelo planejamento e deve compatibilizar-se com o plano de contratações anual de que trata o inciso VII do caput do art. 12 desta Lei, sempre que elaborado, e com as leis orçamentárias, bem como abordar todas as considerações técnicas, mercadológicas e de gestão que podem interferir na contratação.
[3] Art. 28. São modalidades de licitação: I – pregão; II – concorrência; III – concurso; IV – leilão; V – diálogo competitivo.
[4] Art. 22.  O edital poderá contemplar matriz de alocação de riscos entre contratante e o contratado, hipótese em que o cálculo do valor estimado da contratação poderá considerar taxa de risco compatível com o objeto da licitação e os riscos atribuídos ao contratado, de acordo com metodologia predefinida pelo ente federativo. §1º A matriz de que trata o caput deste artigo deverá promover a alocação eficiente dos riscos de cada contrato e estabelecera responsabilidade que caiba a cada parte contratante, bem  como  os mecanismos que afastem a ocorrência  do  sinistro  e mitiguemos seus efeitos,  caso ocorra durante a execução contratual.
[5] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 31ª ed, São Paulo: Atlas, 2017, p. 309.[6] Art. 95.  A critério da autoridade competente, em cada caso, poderá ser exigida, mediante previsão no edital, prestação de garantia nas contratações de obras, serviços e fornecimentos. § 1º Caberá ao  contratado  optar  por  uma  das seguintes modalidades de garantia: II – seguro-garantia;
[7] Art. 101. Na contratação de obras e serviços de engenharia, o edital poderá exigir a prestação da garantia na modalidade seguro-garantia e prever a obrigação de a seguradora, em caso de inadimplemento pelo contratado, assumir a execução e concluir o objeto do contrato, hipótese em que: I – a seguradora deverá firmar o contrato, inclusive os aditivos, como interveniente anuente, e poderá: a) ter livre acesso às instalações em que for executado o contrato principal; b) acompanhar a execução do contrato principal; c) ter acesso a auditoria técnica e contábil; d) requerer esclarecimentos ao responsável técnico pela obra ou pelo fornecimento; II – a emissão de empenho em nome da seguradora, ou a  quem  ela  indicar para  a  conclusão  do  contrato,  será autorizada desde que demonstrada sua regularidade fiscal; III – a seguradora poderá subcontratar a conclusão do contrato, total ou parcialmente.



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