Por Mariana Domingues Alves, Advogada do Núcleo Contencioso do escritório Poletto & Possamai.
Em diferentes mercados, pauta relevante é a implementação de fatores ESG [1] — ambientais, sociais e de governança — nas empresas. Estar em ritmo com os anseios da sociedade atual representa, no âmbito empresarial, efetivo comprometimento com esses fatores na tomada de decisão nos negócios e na gestão de riscos.
No Brasil, autoridades reguladoras dedicaram-se aos estudos sobre sustentabilidade em seus setores — a exemplo da CVM [2] e Susep — e deram um passo adiante ao editar normas sobre o tema e criar instrumentos para acompanhar e mensurar a adoção de práticas ESG nas organizações, fomentando a transparência dessas informações aos stakeholders.
Em 2022, norma específica chegou ao mercado de seguros, inaugurando marco regulatório de sustentabilidade no setor. A Superintendência de Seguros Privados (Susep), por meio da Circular nº 666, de 27 de junho de 2022, estabeleceu requisitos de sustentabilidade a serem observados pelas companhias supervisionadas e, portanto, consolidou o dever de implementar fatores ESG nas operações do setor de seguros [3].
Diante da recente circular, as primeiras perguntas que surgem são: a quem se destina suas disposições; quais são as principais mudanças e inovações que devem ser implementadas; e qual o prazo para adequação à norma? É por esse caminho que o presente artigo apresentará suas notas.
A norma destina-se às companhias supervisionadas pela Susep, que são as sociedades seguradoras, entidades abertas de previdência complementar, sociedades de capitalização e resseguradores locais (artigo 1º). Diante da natureza relacional dos fatores ESG, as práticas devem integrar as estruturas internas da organização e, também, as relações vinculadas ao negócio formadas com as diversas partes interessadas — colaboradores, clientes, fornecedores, comunidade local, órgãos governamentais e quaisquer outras pessoas ou instituições direta ou indiretamente impactadas pelos produtos, serviços ou atividades da supervisionada.
Esse caráter relacional é percebido ao longo de toda circular, a exemplo do disposto no artigo 2º, parágrafo único: “Os riscos de sustentabilidade incluem eventos que incidam sobre a própria supervisionada ou suas partes interessadas e que tenham, com base em critérios estabelecidos pela supervisionada, potencial de impactar suas operações, afetar a demanda por seus produtos ou serviços ou resultar em variações desfavoráveis no valor de seus ativos ou passivos”.
Em definição, os riscos de sustentabilidade são o conjunto dos riscos climáticos, ambientais e sociais (artigo 2º, VI). Os riscos climáticos vinculam-se à possibilidade de ocorrência de perdas causadas por eventos associados 1) a intempéries frequentes e severas ou alterações ambientais de longo prazo (riscos climáticos físicos) ou 2) ao processo de transição para uma economia de baixo carbono (riscos climáticos de transição); ou 3) por sinistros em seguros de responsabilidade ou ações diretas contra a supervisionada, ambos em função de falhas na gestão de riscos climáticos físicos ou de transição (riscos climáticos de litígio), conforme artigo 2º, inciso II e alíneas.
Os riscos ambientais abrangem a possibilidade de ocorrência de perdas motivadas por eventos vinculados à degradação do meio ambiente e o uso excessivo de recursos naturais. Por sua vez, os riscos sociais correspondem à possibilidade de perdas causadas por eventos associados à violação de direitos e garantias fundamentais ou a atos lesivos ao interesse comum, nos termos do artigo 2º, inciso III e IV.
A partir dessas definições, o marco regulatório de sustentabilidade estrutura-se em três grandes eixos de mudanças e inovações a serem implementadas pelas companhias: gestão de riscos de sustentabilidade, política de sustentabilidade e relatório de sustentabilidade.
A circular estabelece que a gestão dos riscos de sustentabilidade deve ser compatível com o porte da supervisionada, a natureza e a complexidade de suas operações e a materialidade dos riscos de sustentabilidade a que se está exposta, o que será aferido com a elaboração de estudo de materialidade, considerando as características da atividade da supervisionada, bem como de suas operações, produtos, serviços, clientes, fornecedores e prestadores de serviços (artigo 3º).
Quanto à precificação e subscrição de riscos, a circular dispõe que, nessas ações, deverão ser adotados critérios e procedimentos, com ou sem imposição de condições especiais, que considerem: o histórico e comprometimento do cliente na gestão de riscos de sustentabilidade, sua capacidade e a disposição em mitigar esses riscos vinculados à transação, assim como eventuais restrições ou limites estabelecidos na norma (artifo 5º). Também há critérios e procedimentos para a seleção de investimentos (artigo 6º) e seleção de fornecedores e prestadores de serviços (artigo 7º).
A política de sustentabilidade forma o segundo eixo da norma. Às supervisionadas caberá elaborar política de sustentabilidade com princípios e diretrizes orientados a assegurar que aspectos de sustentabilidade, incluindo riscos e oportunidades, sejam considerados na condução de seus negócios e no seu relacionamento com as partes interessadas (artigo 8º). Alguns dos seus requisitos são: registro formal escrito, divulgação aos colaboradores e ao público externo, em local de fácil identificação no sítio eletrônico da supervisionada, e reavaliação no mínimo a cada três anos.
O terceiro eixo corresponde ao relatório de sustentabilidade. Trata-se de instrumento de acompanhamento e mensuração da adoção dos fatores ESG pelas supervisionadas, a ser elaborado e divulgado até o dia 30 de abril de cada exercício. Seu conteúdo deverá abranger, no mínimo, as ações de sustentabilidade e os aspectos mais relevantes da gestão dos riscos, nos termos do artigo 15.
Por fim, qual o prazo para adequação? A circular entrou em vigor em 1º de agosto de 2022, sendo que os prazos para adequação às disposições variam de acordo com o segmento ao qual a supervisionada está enquadrada e com o tipo de ação a ser adotada, conforme artigos 17 a 19. Por ora, destaca-se que há adequações a serem realizadas até 31 de dezembro de 2022 pelas supervisionadas enquadradas no segmento S1.
Como se observa, o marco regulatório desenvolvido pela Susep posiciona o mercado dos seguros na agenda ESG, estabelecendo relevantes instrumentos para que a atuação das companhias supervisionadas esteja orientada à implementação de fatores ambientais, sociais e de governança corporativa em suas atividades, incluindo seu acompanhamento, mensuração e divulgação. Em nota sobre a Circular, a Susep acredita que “o setor segurador contribuirá para a difusão de práticas sustentáveis para outros setores da economia, tendo em vista os papéis que desempenha enquanto gestor/tomador de riscos e investidor institucional” [4].
[1] ESG é a sigla em inglês para a expressão “environmental, social and governance”, que representa os fatores ambientais, sociais e de governança em uma organização (sigla ASG em português). O termo foi apresentado em 2004 na publicação Who Cares Wins elaborada pelo Pacto Global em parceria com o Banco Mundial. Pacto Global Rede Brasil. ESG. Disponível em https://www.pactoglobal.org.br/pg/esg. Acesso em 21 out 2022.
[2] Comissão de Valores Mobiliários (CVM). CVM divulga estudo sobre ESG e o mercado de capitais, 26 mai. 2022. Disponível em https://www.gov.br/cvm/pt-br/assuntos/noticias/cvm-divulga-estudo-sobre-esg-e-o-mercado-de-capitais. Acesso em 28 out 2022. Ainda: Resolução CVM nº 59, de 22 de dezembro de 2021. Disponível em https://conteudo.cvm.gov.br/legislacao/resolucoes/resol059.html. Acesso em 21 out 2022.
[3] Superintendência de Seguros Privados (Susep). Circular SUSEP nº 666, de 27 de junho de 2022. Disponível em https://www2.susep.gov.br/safe/scripts/bnweb/bnmapi.exe?router=upload/26128. Acesso em 21 out 2022.
[4] Superintendência de Seguros Privados (Susep). Susep publica marco regulatório de sustentabilidade, 3 nov 2022. Disponível em https://www.gov.br/susep/pt-br/central-de-conteudos/noticias/2022/novembro/susep-publica-marco-regulatorio-de-sustentabilidade. Acesso em 5 nov 2022.