O uso do seguro-garantia judicial é habitual nos processos brasileiros. O instrumento pode ser utilizado para garantir o depósito recursal em demandas trabalhistas, para substituir penhora, para fundamentar a ausência de risco em pedidos que discutam crédito devido.
O art. 835 do Código de Processo Civil prevê, de forma expressa, sua equiparação ao dinheiro para fins de substituição de penhora – garantindo seu aceite nas situações destacadas.
Com o crescente uso desta ferramenta, iniciam-se discussões sobre seu funcionamento nestes processos judiciais. Dentre estas temáticas, uma questão controversa é o acionamento da apólice quando o executado da demanda em questão (tomador da apólice) inicia o processamento de sua recuperação judicial.
Para analisar este ponto, há que se considerar previsões relativas à Lei de Recuperação e Falência.
De acordo com seu art. 6ª, II, o processamento da recuperação judicial implica na “suspensão das execuções ajuizadas contra o devedor”, por 180 dias (parágrafo 4º). Ou seja: é necessário suspender a demanda executória. Inclusive porque, de acordo com o art. 49 do mesmo diploma legal, estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido.
Em complemento, o art. 59 determina a novação dos créditos existentes antes do pedido de recuperação judicial. Há, então, extinção dos créditos existentes e formação do montante que será processado na recuperação. Mesmo os depósitos judiciais feitos durante o processo executório, portanto, passam a ser responsabilidade do juízo da recuperação judicial.
E é aqui que a questão sobre o acionamento da apólice de seguro-garantia judicial ganha corpo.
Ao encaminhar todas as dívidas para o juízo centralizador, a dívida anteriormente garantida pela apólice não mais pode ser executada, em razão da novação.
Esta temática foi debatida pelo Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Conflito de Competência nº 161.667/GO. O caso concreto debatia, justamente, situação que uma apólice de seguro-garantia judicial foi emitida para garantia de execução – no entanto, quando a Seguradora responsável foi intimada para o depósito do valor da garantia, o processamento da recuperação judicial do executado/tomador já estava em curso.
Com o relatório do Ministro Ricardo Villas Boas Cueva, o Superior Tribunal de Justiça entendeu que, no “seguro-garantia judicial, a relação existente entre o garantidor (seguradora) e o credor (beneficiário) é distinta daquela existente entre credor (exequente) e o garantidor do título (coobrigado), visto que no primeiro caso a relação resulta do contrato de seguro firmado e, no segundo, do próprio título.”.
Definiu, então, que a execução nem sempre terá sequência contra a Seguradora. Sua obrigação, afinal, surge apenas depois da configuração do sinistro – com o inadimplemento do tomador. A exigência de indenização à seguradora só será possível quando o sinistro se configurar “em momento anterior (ao do pedido de recuperação)”.
Destaca-se que o entendimento do relator está em consonância com as normas da Superintendência de Seguros Privados, que caracterizam o sinistro justamente como o “inadimplemento das obrigações do tomador cobertas pelo seguro” (art. 6º, inciso I, da Circular 477/2013).
Apesar do entendimento do c. Superior Tribunal de Justiça, porém, ainda são frequentes as decisões judiciais que determinam o acionamento da apólice quando o sinistro ocorreu depois do processamento da recuperação judicial.
Nestes casos, as seguradoras devem buscar as medidas judiciais cabíveis para assegurar o acionamento correto da apólice. Em demanda proposta nesta situação, com atuação do escritório Poletto & Possamai, o E. Tribunal Regional do Trabalho da 17ª Região considerou ilegal a exigência da indenização:
“Contudo, tem o STJ entendido que, tendo em vista o escopo da Lei n. 11.101/2005, a aprovação do plano de recuperação judicial impede que a empresa seja executada no foro trabalhista, ainda que suplantado esse prazo. (…) Em que pese esteja a execução sendo dirigida contra a empresa seguradora, indubitável tratar-se de crédito judicial trabalhista e que deverá, necessariamente, ser habilitado perante o juízo universal onde se processa a recuperação da devedora (…)”
Deste modo, portanto, reforça-se o entendimento do c. Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que a apólice não pode ser acionada quando o sinistro ocorre depois do processamento da Recuperação Judicial.
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FONTES
Processo nº 0000603-74.2023.5.17.0000. Tribunal Regional do Trabalho da 17ª Região. Relator: Mario Ribeiro Cantarino Neto. Julgamento em 13 de novembro de 2023.
Conflito de Competência nº 161.667 – GO (2018/0274139-6). Superior Tribunal de Justiça. Relator: Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva. Julgamento em 26 de agosto de 2020.