Os Dispute Boards vêm ganhando relevância nacional, como método de prevenção e resolução de disputas em contratos de construção de longa duração. O mecanismo consiste em um comitê de especialistas, estabelecido contratualmente, para fiscalização da execução contratual, instaurado seja previamente ao surgimento de conflitos (modalidade típica), ou pós surgimento de conflito (ad hoc), especialmente para contratos de obras e serviços de engenharia[1].
Há evidente utilidade desse método em contratos com a Administração Pública, principalmente pelo alarmante parâmetro de paralisação de obras públicas. Em 2023, o Brasil tinha 8,6 mil obras paralisadas, de um total de 21 mil existentes[2], isso sem considerar as obras custeadas exclusivamente por estados e municípios.
Alguns sinais da crescente importância dada aos Dispute Boards para ajudar nessa situação, são a implementação expressa na Lei de Licitações e Contratos Administrativos (Lei nº. 14.133/21)[3] e a publicação da Resolução da ANTT nº 6.040/24[4], que regulamenta a utilização de Dispute Boards nos contratos de concessão de sua competência.
A Resolução da ANTT é vista com bons olhos, ainda que já tenha levantado algumas críticas, dada a restrição de quais assuntos podem ser objeto de análise do Board (art. 26-A)[5]. Isso porque, não pode fazer parte do escopo do Dispute Board, questão de cunho estritamente jurídico, a exemplo da matriz de riscos e do equilíbrio econômico-financeiro do contrato de concessão.
Essa limitação põe os Dispute Boards em desvantagem, em comparação aos outros meios de resolução de conflitos. No entanto, não se apresenta necessariamente como óbice para o objetivo fundamental do Dispute Board, que é resolver problemas técnicos da obra, que podem levar a paralização e assim ao desequilíbrio contratual[6].
Nesse sentido, a Resolução acerta em diversos pontos. Como no artigo 28-B, que prevê a possibilidade das modalidades de decisões vinculantes, tidas como adjudicatórias, e que dão muito mais poder decisório ao Board[7]. A Resolução também dispõe, no artigo 26-C, das três modalidades quanto ao momento de instalação do comitê: podendo ser permanente (desde o início do contrato), temporário (por tempo limitado) ou ad hoc (para decidir acerca de certo conflito).
Por motivos óbvios, também houve a vedação expressa à possibilidade de decisões dos Boards sobre a legitimidade e validade de atos fiscalizatórios ou normativos da ANTT. Os especialistas devem se ater exclusivamente aos problemas técnicos da obra, sem entrar na esfera de competência da ANTT e de seus atos.
No geral, a resolução da ANTT foi bem recebida pelos juristas, e parece observar tanto os regulamentos internacionais, quanto o que já havia sido trazido pela doutrina nacional. Esse sucesso decorre da realização de debates com a comunidade, como na Audiência Pública nº 006/2023 e da análise institucional e parecer da Procuradoria Federal junto à ANTT.
Agora, basta aguardar se a recepção do mercado também será positiva, para que cada vez mais tenhamos segurança e celeridade ao resolver problemas em obras públicas.
Referências:
ANTT. Resolução nº 6.040, de 4 de abril de 2024. Altera a Resolução nº 5.845, de 14 de maio de 2019, que dispõe sobre as regras procedimentais para a autocomposição e a arbitragem, para incluir a previsão dos comitês de prevenção e solução de disputas.
Brasil. Tribunal de Contas da União. Acórdão Nº 2134/2023. Plenário. Relator: Vital do Rêgo. Sessão de 18/10/2023. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 19/10/2023.
Bueno, Julio C; Nascimbeni, Asdrubal F.; Cardoso, Christiana B.; Ranzolin, Ricardo. Meios Adequados de Solução de Conflitos: arbitragem, dispute board, mediação, negociação e práticas colaborativas. São Paulo: Grupo Almedina, 2023. E-book. ISBN 9786556279497. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786556279497/. Acesso em: 05 jun. 2024. Pág. 178.
Cardoso, Natalli C. R. Os Dispute Boards na nova lei de licitações e contratos administrativos https://poletto.adv.br/os-dispute-boards-na-nova-lei-de-licitacoes-e-contratos-administrativos/
DOMINGUES, Igor Gimenes A. Comitês de Resolução de Disputas (dispute boards) nos Contratos da Administração Pública. (Coleção direito da construção – IBDiC). São Paulo: Grupo Almedina, 2022. E-book. ISBN 9786556276793. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786556276793/. Acesso em: 05 jun. 2024. Pág. 38.
Filho, Marçal J. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Grupo GEN, 2024. E-book. ISBN 9786559649822.
Jordão, Eduardo e Burlini, Pedro. A oportunidade perdida da ANTT ao regulamentar os dispute boards. JOTA, 2024. Disponível em: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/a-oportunidade-perdida-da-antt-ao-regulamentar-os-dispute-boards-06052024.
[1] Filho, Marçal J. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Grupo GEN, 2024. E-book. ISBN 9786559649822.
[2] Brasil. Tribunal de Contas da União. Acórdão Nº 2134/2023. Plenário. Relator: Vital do Rêgo. Sessão de 18/10/2023. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 19/10/2023.
[3] https://poletto.adv.br/os-dispute-boards-na-nova-lei-de-licitacoes-e-contratos-administrativos/
[4] ANTT. Resolução nº 6.040, de 4 de abril de 2024. Altera a Resolução nº 5.845, de 14 de maio de 2019, que dispõe sobre as regras procedimentais para a autocomposição e a arbitragem, para incluir a previsão dos comitês de prevenção e solução de disputas.
[5] Jordão, Eduardo e Burlini, Pedro. A oportunidade perdida da ANTT ao regulamentar os dispute boards. JOTA, 2024. Disponível em: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/a-oportunidade-perdida-da-antt-ao-regulamentar-os-dispute-boards-06052024.
[6] Bueno, Julio C; Nascimbeni, Asdrubal F.; Cardoso, Christiana B.; Ranzolin, Ricardo. Meios Adequados de Solução de Conflitos: arbitragem, dispute board, mediação, negociação e práticas colaborativas. São Paulo: Grupo Almedina, 2023. E-book. ISBN 9786556279497. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786556279497/. Acesso em: 05 jun. 2024. Pág. 178.
[7] DOMINGUES, Igor Gimenes A. Comitês de Resolução de Disputas (dispute boards) nos Contratos da Administração Pública. (Coleção direito da construção – IBDiC). São Paulo: Grupo Almedina, 2022. E-book. ISBN 9786556276793. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786556276793/. Acesso em: 05 jun. 2024. Pág. 38.