Por Rafael Vieira Vianna dos Santos – Advogado especialista em Direito Civil, do Consumo e do Processo pela Universidade Positivo de Curitiba.
O tema empreendedorismo nunca esteve tão em evidência como nos tempos atuais. Ainda que não se desconsidere as dificuldades e entraves para quem decide empreender em nosso país¹ ², o tema é alvo recorrente de diversas mídias e canais de comunicação, razão pela qual se observa um número cada vez maior de brasileiros que têm se aventurado na tentativa de obter sucesso “com suas próprias pernas”.
Ocorre que, não raramente, a lapidação de uma ideia e dedicação para que esta alcance os objetivos pretendidos esbarram na falta de recursos próprios necessários para que a nova empreitada supere seu breakeven³ e passe a render os esperados lucros.
Neste cenário, surge a figura do angel investor, ou, investidor anjo⁴, que pode ser conceituado, nos tempos atuais, como a pessoa física ou jurídica – comumente empresários ou profissionais com certo nível de sucesso, que optam por investir em empresas iniciantes (Startups). Tal investimento, além de aporte financeiro, por vezes engloba também o compartilhamento de experiências e mentoria para o novo negócio.
Diante do crescimento de tal modalidade de investimento e do crescente número de empreendedores em território nacional, editou-se a Lei Complementar nº 155 de 2016, a qual, ao incluir o artigo 61-A na Lei Complementar nº 123 de 2006, regulou a figura do investidor anjo junto às microempresas e empresas de pequeno porte.
Dentre as previsões trazidas pela referida normativa, fixou-se o entendimento de que os investidores anjos não serão considerados como sócios da empresa investida⁵, de forma que, por consequência, não correm o risco de responderem pelas dívidas contraídas por esta empresa⁶, nem mesmo caso a empresa venha a entrar em Recuperação Judicial, uma vez que há expressa vedação quanto à aplicabilidade do art. 50 do Código Civil⁷ em seu desfavor, além de haver expressa distinção entre o valor aportado e as receitas da sociedade⁸ – o que também traz benefício para seu enquadramento como empresa de pequeno porte ou microempresa.
Necessário destacar que a distinção entre o investidor anjo e os sócios da empresa investida aproveitam também os interesses destes últimos, porquanto o controle da empresa permanece em seu poder⁹, ou na forma originalmente definida em seu contrato social, não havendo possibilidade do investidor anjo extrapolar o seu papel e se insurgir quanto à condução da empresa, restando resguardada, deste modo, a ideia originalmente investida.
Para tanto, é preciso que se observem alguns requisitos elencados na Lei Complementar destacada, tais como a constituição de um contrato de participação, cuja vigência não pode exceder o prazo máximo de 07 anos.
Note-se que o direito de resgate dos valores aportados pelo investidor anjo somente poderá começar a ser exercido após transcorrido o prazo mínimo de 02 anos do aporte de capital, sendo sua remuneração limitada ao período máximo de 05 anos. Daí porque, no prazo máximo de vigência do contrato de participação, o investidor anjo terá conhecimento dos ganhos ou perdas que o investimento realizado lhe proporcionou.
Em relação ao contrato de participação, é preciso ter em mente que sua elaboração, além de requisito formal estipulado em lei, é condição ímpar para que a relação entre investidor e sócios possa atender ao interesse de ambos durante a execução do contrato. A título de exemplo, destaca-se a necessidade de se avaliar a inclusão das cláusulas denominadas Drag Along¹⁰ e Tag Along¹¹. Tais questões deverão ser analisadas de forma prévia, levando em consideração a harmonização dos interesses das partes interessadas, de forma a se mitigar eventuais disputas judiciais futuras.
Em relação ao resgate dos valores pelo investidor anjo, necessário observar a previsão da Instrução Normativa (IN) RFB nº 1719/2017, pela qual incide uma alíquota regressiva sobre os valores resgatados, que se pauta pelo tempo de vigência do contrato de participação, variando entre os percentuais de 22,5% (contrato com prazo de até 180 dias) e 15% (contratos com prazo superior a 720 dias). Neste cenário, considerando que o resgate dos valores somente poderá ocorre após decurso do prazo mínimo de 02 anos, via de regra incidir-se-á a alíquota mínima sobre os valores.
Em complemento à questão tributária, encontra-se em tramitação junto ao Senado o Projeto de Lei n° 494, de 2017, cujo teor pretende “isentar do Imposto sobre a Renda, da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido, da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins os rendimentos decorrentes da remuneração prevista em contrato de participação e do direito de resgate do aporte de capital efetuado por investidor-anjo.” (sic)¹²
Caso aprovado o Projeto de Lei, a isenção pretendida certamente aquecerá ainda mais o mercado, resultando, sem dúvidas, em uma majoração sensível nos investimentos realizados, além de atrair o ingresso de novos interessados na referida modalidade.
Em conclusão, necessário que ambas as partes interessadas busquem a devida assessoria jurídica na hora de formalizar o contrato de participação, de forma a obterem a proteção de seus interesses, além da relação harmoniosa entre investidores anjos e sócios do empreendimento.
[1] A última pesquisa realizada pelo Banco Mundial (2018), num universo de 190 países analisados, o Brasil ocupava a 125ª posição na análise de facilidade para início de um novo negócio, e apenas a 184º posição quando se trata do pagamento de impostos. Pesquisa disponível em: https://www.doingbusiness.org/data/exploreeconomies/brazil
[2] Segundo resultados do Índice de Complexidade Financeira elaborado pelo TMF Group, o Brasil foi considerada a segunda jurisdição mais complexa para contabilidade e impostos. Consulta disponível em: https://www.tmf-group.com/en/newsinsights/press-releases/2017/june/financial-complexity-index-latam/
[3] Também conhecido como BEP (Brekingeven Point), é um termo do idioma inglês que significa, em tradução livre, ponto de equilíbrio. No ramo negocial e financeiro, é comumente utilizado para identificar o momento em que não há nem perda nem ganho de valores. Ou seja, trata-se do o equilíbrio entre as despesas e receitas de uma determinada empresa.
[4] Segundo Cássio A. Spina, fundador do site Anjos do Brasil (www.anjosdobrasil.net), o termo Investidor Anjo teve sua origem no início do século 20, nos Estados Unidos, sendo utilizado para definir os investidores que bancavam os custos de produção das peças em cartaz na Brodway, assumindo, junto com os investidos, os riscos da peça, porém, também participando de seus lucros e eventualmente auxiliando na execução destes.
[5] Lei Complementar 123/2006 – Art. 61-A, §4º, inciso I.
[6] Lei Complementar 123/2006 – Art. 61-A, §4º, inciso II.
[7] Código Civil – Artigo 50: Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.
[8] Lei Complementar 123/2006 – Art. 61-A, §5º.
[9] Lei Complementar 123/2006 – Art. 61-A, §3º.
[10] “Por outro lado, o drag along, apresenta-se como um direito de exigir a venda, sendo, portanto, protetor do sócio controlador, normalmente o empreendedor. Isto porque, imaginando-se a hipótese de o empreendedor encontrar um comprador para o controle de sua empresa, mas este não deseja conviver com sócios minoritários por questões estratégicas, podendo frustrar a realização do negócio. Nestes casos, é de suma importância a cláusula drag along, a qual dará ao empreendedor a possibilidade de exigir que os demais sócios também vendam suas participações por um valor pré-determinado, via de regra o mesmo valor pago proporcionalmente a sua participação.”. (Júdice, Lucas Pimenta. Direito das startups – coordenação de Lucas Pimenta Júdice, Erik Fortenele Nybo. Curitiba: Juruá, 2016, pg. 126)
[11] “Em linhas gerais, o tag along define-se como sendo um direito de saída para sócios minoritários, na hipótese em que o sócio controlador vier a alienar sua participação na sociedade. Via de regra, tal disposição visa proteger os sócios minoritários que, n ocaso da realização de investimento anjo, serão os próprios investidores. (…) Tendo em vista que o investimento anjo é feito também em função do empreendedor, pode ser que para o investidor a troca na titularidade do controle da empresa investida não seja a melhor opção, razão pela qual comumente é exigido que tal disposição seja adicionada no acordo de sócios”. (Júdice, Lucas Pimenta. Direito das startups – coordenação de Lucas Pimenta Júdice, Erik Fortenele Nybo. Curitiba: Juruá, 2016, pg. 125)
[12] Texto disponível em: https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/131880.