Conteúdo

[REVISTA APÓLICE] A atividade do produtor rural e a legislação consumerista

Por

O Código de Defesa do Consumidor estipula que “consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”. As discussões para aplicar o diploma, portanto, restam na definição de quem é este destinatário. Como regra, não é consumidor aquele “que, de alguma forma, adquire o produto ou serviço com intuito profissional, com a finalidade de integrá-lo no processo de produção, transformação ou comercialização”.

O Superior Tribunal de Justiça, ao tratar do assunto, adota a teoria finalista: o consumo intermediário, que representa gasto que retorna para a cadeira de produção/distribuição e compõe o preço final de um produto, não pode estar incluído na esfera consumerista – exceção caso seja configurada relação de vulnerabilidade.

Em algumas situações, não há clareza sobre quando se caracteriza, ou não, uma relação de consumo. Uma destas situações envolve os investimentos feitos por produtores rurais para incremento de suas lavouras.

Quando o agricultor contrata crédito rural, por exemplo, é aplicada a tese de que o financiamento foi adquirido com viés econômico, para incrementar uma cadeia de atividade produtiva – não configurando relação de consumo. O Tribunal de Justiça do Distrito Federal destaca em sua página de jurisprudência que há “inaplicabilidade do CDC à relação jurídica entre produtor rural e instituição financeira”. O Superior Tribunal de Justiça também já decidiu sobre o tema, no mesmo sentido, afastando a aplicação do diploma porque “o serviço de emissão de crédito é utilizado para incremento de atividade econômica, de forma a não evidenciar o seu destinatário final”. Nestes casos, ainda que remanescente certo debate quanto a caracterização de vulnerabilidade do produtor e aplicação do diploma consumerista à disputa nesta hipótese, há entendimento jurisprudencial predominante quanto a sua não incidência.

Quando o agricultor contrata seguro para proteção dos investimentos feitos em sua lavoura, também há debate quanto a incidência da legislação consumerista. Isto porque o contrato pode ser interpretado de dois modos: i) Sendo o segurado/produtor o destinatário final, diante da proteção conferida a seu próprio patrimônio e ii) Não sendo ele o destinatário final, vez que o produto é contratado para proporcionar a implementação de seu negócio com maior segurança, com viés comercial.

É comum que os tribunais utilizem a primeira interpretação, entendendo que o “segurado que é o destinatário final do seguro” e que, em regra, há “hipossuficiência do consumidor”. No entanto, com a aplicação da teoria finalista, somada a interpretação dada pelo Superior Tribunal de Justiça quanto a relação comercial existente entre produtor rural e instituição bancária, é possível presumir a não incidência da legislação consumerista ao caso. Isto porque, assim como o crédito rural é contratado pelo agricultor para incremento de sua atividade produtiva, o seguro é adquirido para trazer maior previsibilidade e minorar eventuais prejuízos que ele possa auferir com sua plantação – que não foi feita para consumo próprio, mas para comercialização.

Neste sentido, decisão do Superior Tribunal de Justiça não caracterizou o segurado desta modalidade de seguro como destinatário final do produto, considerando “que o produto ou serviço é contratado para implementação de atividade econômica, já que não estaria configurado o destinatário final da relação de consumo (teoria finalista ou subjetiva).”. No caso específico, a aplicação do Código de Defesa do Consumidor foi feita de forma excepcional, apenas porque verificada a “hipossuficiência técnica, jurídica ou econômica da pessoa jurídica.” – teoria finalista mitigada.

O contrato de seguro agrícola, portanto, não foi considerado como um produto para consumo do próprio produtor rural. É clara, afinal, sua natureza econômica e comercial. Igualmente neste sentido, decisões dos Tribunais do Mato Grosso do Sul e do Rio Grande do Sul entenderam que não há incidência do diploma consumerista nesta relação porque “a aquisição ou a utilização de produtos ou serviços com a finalidade de implementar a atividade negocial não se reputa como relação de consumo, mas como atividade intermediária”, visto que o agricultor utiliza o “contrato de seguro para a sua atividade fim, qual seja, produção agroindustrial”.

Entende-se, assim, adequada a não incidência do Código de Defesa do consumidor para situações que envolvam contratação de crédito rural ou de seguro agrícola. Ressalta-se que, ainda que a teoria finalista mitigada possibilite este enquadramento em casos hipossuficiência do produtor rural, esta situação não pode ser presumida – em especial porque o agricultor pode ter expertise técnica e financeira para investir na sua atividade profissional. E, neste cenário, parece não ser correta a incidência, de pronto, da legislação consumerista para discussão destes contratos.

Compartilhe nas redes sociais

Newsletter

Assine e receba nossas atualizações e conteúdos ricos exclusivos