Por Natalli Caroline Rugery Cardoso, Advogada do núcleo contencioso, Graduada em Direito pelo Centro Universitário Newton Paiva (Belo Horizonte) e Pós Graduada em Direito Público pela Faculdade Damásio de Jesus (Curitiba)
Em agosto de 2019, foi publicada a lei federal nº 13.867/2019 que, dando novos contornos ao decreto-lei nº 3.365/1941[1], estabeleceu e regulamentou o uso de mecanismos alternativos para solução de controvérsias nos processos de desapropriação por utilidade pública.
A nova lei possibilita ao particular escolher entre a utilização da mediação e da arbitragem para definição dos valores de indenização nas desapropriações por utilidade pública.
Originária do projeto de lei nº 135, de 2017, de autoria do Senador Antônio Anastasia, a norma corrobora tendência de busca por modelos alternativos de resolução de conflitos, cuja utilização ainda se mostra tímida em nosso ordenamento jurídico, notadamente no que diz respeito à participação do poder público.
O seu conteúdo normativo contou com a inspiração advinda de outras leis recentemente promulgadas, como a Nueva Ley de Arbitraje nº 27.449, da Argentina e a Ley Marco de Adquisición Y Expropiación de Inmuebles do Peru[2], as quais, por sua vez, tiveram por base a Ley Modelo sobre Arbitraje Comercial Internacional de la Comisión de las Naciones Unidas para el Derecho Mercantil Internacional (CNUDMI)[3].
As inovações trazidas pela lei nº 13.867/2019 indicam o sistema negocial a ser conduzido pela Administração a partir da declaração de utilidade pública, que dá início à desapropriação.
Assim, após declarada a utilidade pública, o ente expropriante deverá notificar o proprietário do imóvel e apresentar-lhe proposta de indenização. Essa notificação abre para o particular expropriado as seguintes possibilidades: i) aceitar a proposta e receber o valor da indenização; ii) rejeitar a proposta; ou, iii) optar pela mediação ou pela via arbitral para definir o valor da justa indenização.
Caso aceita a oferta, será lavrado termo de acordo e este será levado ao registro de imóveis. De outra parte, em sendo recusada a oferta de indenização ou quando não houver resposta do particular, caberá à Administração promover a ação de desapropriação, na forma do que dispõe o art. 11 e seguintes do decreto-lei nº 3.365/1941.
A grande novidade, contudo, reside na possibilidade de o particular expropriado optar pela via da mediação ou da arbitragem para discutir a questão referente ao valor da indenização. É que não concordando com o valor ofertado pelo poder público a título de indenização , o particular expropriado poderá optar pelas vias alternativas para a resolução da questão, podendo escolher a câmara ou o órgão para conduzir o procedimento, dentre aqueles previamente cadastrados pela Administração. Aliás, poderão ser criadas câmaras de mediação exclusivas para este fim. Nesses casos, o procedimento seguirá a legislação em vigor sobre a matéria (Lei n º 13.140/2015 para mediação e Lei nº 9.307/1996 para arbitragem).
É importante entender que a possibilidade de optar pela mediação ou arbitragem cinge-se à definição do valor da justa indenização em decorrência da desapropriação, situação que não invade a esfera indisponível abrangida pela fase declaratória da desapropriação (declaração de utilidade pública), tampouco atinge as competências inderrogáveis do Estado, como a definição da área a ser expropriada.
A norma vem em boa hora e as inovações por ela trazidas regulamentam situações fáticas já vivenciadas nos processos de desapropriação. A doutrina já ensinava que “a desapropriação pode efetivar-se amigavelmente, isto é, por escritura pública, sempre que houver concordância do expropriado quanto ao valor da justa indenização.” [4] A lei então apenas formalizou esta possibilidade de resolução amigável.
Para além de buscar a utilização de mecanismos alternativos para o fim de assegurar o direito fundamental à justa e prévia indenização decorrente da desapropriação, conforme a regra insculpida no art. 182, §3º e 184, da CR/88, as inovações introduzidas pela norma, conferem maior agilidade e efetividade na definição do valor da justa indenização pela expropriação, na medida em que o poder judiciário não terá que imiscuir-se na definição dessas questões, as quais, historicamente, costumam levar décadas para serem concluídas.
Essa ratio pode ser observada na justificação do projeto de lei que originou a norma, segundo a qual “Com essa nova sistemática, acreditamos que o processo de desapropriação será mais justo e menos burocrático (…)”[5]
Por outro lado, a recente lei também confere maior horizontalidade na relação entre Estado e particulares, porquanto, se de um lado temos envolvido o poder-dever do Estado em promover a desapropriação diante de situações que emanem utilidade pública, à luz do princípio da supremacia do interesse público, do outro temos envolvido o direito individual à propriedade, princípios que devem ser cautelosamente sopesados em situações de conflito.
Nas palavras de Henrique Ávila, conselheiro do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) “a novidade legislativa dará às partes a possibilidade de discutir amigavelmente disparidades nos valores a serem pagos pela desapropriação do terreno, por exemplo. É uma medida extremamente inteligente e eficiente”[6].
Enfim, a lei nº 13.867/2019, além de oportunizar uma solução alternativa de conflitos, permite maior integração entre o expropriado e o poder público na definição do valor da indenização. Vale dizer que, atendido o interesse público na desapropriação, o ponto relevante a ser discutido, sob a ótica do expropriado, é o valor da indenização.
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[1] Dispõe sobre desapropriação por utilidade pública
[2] Ley de Arbitraje Comercial Internacional, Boletín Oficial de la República, 2018. Disponível em: < https://www.llyasoc.com/upload/document/92333GfUW.pdf>. Acesso em: 23 de out. de 2019.
[3] Marval. O’Farrel. Mairal. Nueva Ley de Arbitraje Comercial Internacional en la Argentina, 2018. Disponível em: < https://www.marval.com/publicacion/nueva-ley-de-arbitraje-comercial-internacional-en-la-argentina-13212>. Acesso em: 23 de out. de 2019.
[4] HARADA, Kiyoshi. Desapropriação: Doutrina e prática. 11ª ed. Editora Atlas, 2015, pp. 84
[5]Senado Federal. Projeto de Lei do Senado nº 135, de 2017. Disponível em: <https://legis.senado.leg.br/sdleggetter/documento?dm=5282085&ts=1567532122998&disposition=inline> Acesso em: 25 de out. de 2019.
[6] Alternativa à judicialização. Mediação em desapropriação por utilidade pública é avanço, diz CNJ. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2019-set-03/mediacao-desapropriacao-utilidade-publica-avanco-cnj>. Acesso em: 25 de out. de 2019.