
O seguro de responsabilidade civil para diretores e administradores (D&O) desempenha papel relevante no cenário empresarial contemporâneo, na medida em que a complexidade da governança corporativa e a ampliação dos deveres dos administradores aumentam a exposição destes a riscos de responsabilização.
Em suma, o seguro D&O visa proteger o patrimônio dos administradores contra a obrigação de indenizar terceiros por danos decorrentes de atos culposos praticados no exercício de suas funções, bem como cobrir custos de defesa em processos judiciais, administrativos ou arbitrais[1]. A doutrina ressalta que a evolução desse contrato no Brasil foi impulsionada pela abertura do mercado de resseguros, pelo aumento da responsabilidade civil dos administradores após o Código Civil de 2002 e pelas crises financeiras que resultaram em vultuosos litígios[2].
Esse tipo de seguro enquadra-se na categoria de seguros de dano, especificamente nos de responsabilidade civil (hoje previstos no art. 787 do Código Civil de 2002), por garantir o pagamento de perdas e danos devidos pelo segurado a terceiros. A cobertura costuma incluir, além das indenizações, despesas com investigações e defesa, essenciais para que administradores possam responder adequadamente a acusações de atos decorrentes de sua função[3]. Esses seguros estão principalmente relacionados ao incentivo para assunção de cargos de gestão em sociedades abertas, pois sem tal proteção muitos profissionais evitariam se expor a riscos financeiros pessoais significativos[4]. Inclusive, é comum que as próprias companhias contratem o seguro D&O para seus administradores.
A Lei nº 15.040/2024 altera substancialmente a disciplina dos seguros de danos e responsabilidade civil, revogando parcialmente os arts. 778 a 788 do Código Civil. Uma primeira novidade é a positivação do dever de clareza na delimitação de riscos e exclusões (art. 9º, §1º), aspecto que no regime anterior era apenas exigido implicitamente pela boa-fé objetiva e gerava controvérsias interpretativas em juízo, especialmente em seguros D&O[5]. Outra mudança é o art. 10, incisos I e II, que prevê a nulidade de cláusulas que cubram atos dolosos ou ilícitos criminais cometidos pessoalmente pelo segurado, consolidando em lei regra que antes era extraída do art. 762 do Código Civil e aplicada de forma desigual pela jurisprudência[6].
Os arts. 13 a 16 da nova lei trazem disciplina detalhada sobre o agravamento relevante do risco, permitindo revisão do prêmio ou resolução contratual se houver alteração significativa das circunstâncias originais. Sob o Código Civil, apenas o art. 766 previa perda de cobertura por omissão ou inexatidão dolosa do segurado, sem tratar expressamente de agravamentos supervenientes, tema frequentemente litigado em seguros D&O diante da dinâmica de crises empresariais. Provavelmente o legislador entende que a ausência dessa previsão gerava insegurança jurídica, pelas discussões recorrentes sobre a necessidade de comunicação e efeitos da omissão de fatos relevantes no decorrer do contrato.
A lei também reforça deveres de cooperação durante a vigência do contrato (arts. 11 e 12), exigindo maior troca de informações entre segurado e seguradora para viabilizar regulação adequada de sinistros, inclusive para custos de defesa em processos sancionatórios. Essa alteração dialoga com práticas do mercado internacional, onde seguros D&O são vistos como contratos relacionais, exigindo interação contínua entre as partes para estabilizar expectativas de cobertura.
Já um problema que permanece é o da ausência de fixação de prazo para comunicação de sinistro. Isso porque a nova lei, conforme o art. 66. II, mantém a incerta disposição de que é dever do segurado “avisar prontamente a seguradora” quando a ocorrência de sinistro[7]. Esse problema fica ainda mais evidente no seguro D&O, pois é difícil precisar quando ocorre a ciência do sinistro. O início de algum inquérito ou investigação por si só implica na necessidade de aviso, ou apenas a citação da ação de responsabilização? Apenas com a vigência da lei e interpretação judicial será possível estreitar esse conceito.
Ademais, a ampliação do dever de transparência e a formalização de regras para exclusões e agravamentos podem impactar diretamente disputas envolvendo custos de defesa, notificações tardias de sinistro e cobertura em investigações administrativas, questões recorrentes nos tribunais. Parte da doutrina já alertava para maior judicialização desses seguros com a complexidade das investigações corporativas e atuação de órgãos como a CVM e a SUSEP, tornando essencial a revisão criteriosa das apólices sob a nova legislação.
Assim, o novo regime jurídico promove alterações relevantes na disciplina dos seguros de dano e responsabilidade civil, afetando diretamente o funcionamento do seguro D&O. A maior interveniência em relação a exclusões e deveres regulatórios pode reduzir litígios interpretativos, mas também impõe novos deveres e limites que demandam atenção de administradores, seguradoras e empresas na adequação de suas apólices.
Referências:
AMARO, Anderson S. O seguro de responsabilidade civil dos administradores. Revista de Direito Empresarial, vol. 2/2014, p.115.
BORG, Rafael. O problema do prazo decadencial para avisar o sinistro nos seguros de dano. https://poletto.adv.br/o-problema-do-prazo-decadencial-para-avisar-o-sinistro-nos-seguros-de-dano/
REGO, Margarida L.; Martins, Maria I. de O. Seguro D&O com cobertura de custos de defesa em processo penal ou sancionatório. Revista de Direito Privado, vol. 97/2019, p.242-245.
GATTAZ, Luciana de G. P. A responsabilidade civil dos administradores de companhias abertas não financeiras e o seguro D&O. Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais, vol. 74/2016, p.243.
[1] Amaro, Anderson S. O seguro de responsabilidade civil dos administradores. Revista de Direito Empresarial, vol. 2/2014, p.115.
[2] Idem, p.97
[3] Rego, Margarida L.; Martins, Maria I. de O. Seguro D&O com cobertura de custos de defesa em processo penal ou sancionatório. Revista de Direito Privado, vol. 97/2019, p.242-245.
[4] Gattaz, Luciana de G. P. A responsabilidade civil dos administradores de companhias abertas não financeiras e o seguro D&O. Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais, vol. 74/2016, p.243.
[5] Rego, Margarida L.; Martins, Maria I. de O., p.244.
[6] Idem, p.311.
[7] Borg, Rafael. O problema do prazo decadencial para avisar o sinistro nos seguros de dano. https://poletto.adv.br/o-problema-do-prazo-decadencial-para-avisar-o-sinistro-nos-seguros-de-dano/;
Art. 66. Ao tomar ciência do sinistro ou da iminência de seu acontecimento, com o objetivo de evitar prejuízos à seguradora, o segurado é obrigado a: I – tomar as providências necessárias e úteis para evitar ou minorar seus efeitos; II – avisar prontamente a seguradora, por qualquer meio idôneo, e seguir suas instruções para a contenção ou o salvamento;