Por Vanessa Grace Chang, Advogada do Núcleo de Seguros do escritório Poletto & Possamai.
Quanto mais a sociedade evolui e o mundo se transforma, maiores são os riscos e incertezas que ela está sujeita a enfrentar; da mesma forma, sem o risco, também não há evolução e desenvolvimento. É dizer, o risco é elemento essencial e indispensável para humanidade. O seguro, por sua vez, surgiu para mitigar, suportar e operacionalizar a transferência controlada do risco, de forma a viabilizar a atividade econômica, vida ou patrimônio do segurado.
No entanto, não raras vezes a reserva técnica da seguradora pode não ser capaz de garantir Segurados cujos riscos cobertos na apólice são muito altos para assegurar o equilíbrio financeiro da companhia.
Assim, para o produto fazer sentido economicamente e, ao mesmo tempo, preservar a estabilidade e resultados financeiros das seguradoras e garantir a liquidação dos sinistros de forma eficiente, o mercado criou formas de pulverização dos riscos assumidos pelas companhias seguradoras, através do cosseguro, resseguro, retrocessão e, recentemente, a letra de risco de seguro (LRS).
O cosseguro e resseguro, apesar de terem nomenclaturas e propósitos similares, constituem relações jurídicas distintas. O cosseguro trata-se de união de seguradoras que assumem um único risco, mas cada uma arca com percentual específico e limitado da responsabilidade.
A Lei Complementar nº 126/2007 define o cosseguro como: operação de seguro em que 2 (duas) ou mais sociedades seguradoras, com anuência do segurado, distribuem entre si, percentualmente, os riscos de determinada apólice, sem solidariedade entre elas.
Isto é, além de ser necessária a anuência do segurado, a responsabilidade das seguradoras envolvidas na operação não é solidária e cada uma será responsável apenas pela quota-parte do risco assumido, não podendo ser acionada para além da sua participação.
Em termos operacionais, é possível que no cosseguro seja emitido uma apólice para cada seguradora envolvida , como também uma única apólice, em que uma das seguradoras fique responsável pela operação (seguradora líder), e esta administre o contrato e represente os interesses das demais seguradoras, inclusive na ocasião de sinistro.
Diferente do cosseguro, no resseguro não é coberto o mesmo risco da seguradora, e sim, o seu risco de exposição. O cosseguro é uma forma de operacionalização de várias seguradoras, enquanto o resseguro funciona como um “seguro para seguradoras”.
Para tanto, a seguradora (cedente), de forma parcial ou total, transfere ao ressegurador o risco assumido na emissão de uma apólice, de forma a reduzir ou transferir na integralidade a responsabilidade sobre um risco elevado e/ou de alta sinistralidade. Enquanto a companhia seguradora viabiliza a atividade econômica, protege a vida e o patrimônio do segurado, o ressegurador vai garantir a estabilidade financeira da seguradora.
No Brasil, o resseguro começou a operacionalizar com o Decreto Lei nº 1.186/39 durante o governo do Presidente Getúlio Vargas, criando-se o Instituto de Resseguros do Brasil (IRB). O mercado ressegurador foi monopolizado pelo IRB durante o período de 1940 a 2007, quando este atuou como o único ressegurador do país. Após, com o advento da Lei Complementar nº 126/2007, o mercado foi aberto para empresas privadas e estrangeiras.
Atualmente, existem três tipos de resseguradores: local, admitido e eventual. O ressegurador local é aquele sediado no País constituída sob a forma de sociedade anônima, tendo por objeto exclusivo a realização de operações de resseguro e retrocessão. Ressegurador admitido é aquele sediado no exterior, com escritório de representação no País e cadastrado no órgão fiscalizador de seguros para realizar operações de resseguro e retrocessão. Por fim, o ressegurador eventual é aquele estrangeiro sediado no exterior, sem escritório de representação no País, que tenha sido cadastrada como tal no órgão fiscalizador de seguros para realizar operações de resseguro e retrocessão.
Por sua vez, a retrocessão é a operação de cessão de um resseguro a outro ressegurador, como um “resseguro do resseguro”. Quando o ressegurador não quer ou não pode assumir na integralidade a sua parte do risco com o segurador, há o repasse (retrocessão) de uma fração das responsabilidades para um ou mais resseguradoras e/ou seguradoras. Assim, o ressegurador é o retrocedente e as resseguradoras e/ou seguradoras que assumem parte dos riscos do retrocedente passam a ser as retrocessionárias.
A novidade no mercado seucuritário, especificamente quanto à transferência de riscos, é a Letra de Risco de Seguros (LRS), regulamentada pela Lei nº 14.430/2022. De acordo com o art. 12 da referida normativa, a LRS é um “título de crédito nominativo, transferível e de livre negociação, representativo de promessa de pagamento em dinheiro, vinculado a riscos de seguros e resseguros”.
A LRS veio como uma nova alternativa de captação de recursos por parte das companhias seguradoras e trata-se de uma opção de investimento para investidores qualificados do mercado de capitais. A sua emissão é realizada exclusivamente através de Sociedade Seguradora de Propósito Específico – SSPE (art. 4º, §1º da Lei nº 14.430/2022), cujo propósito é realizar operações de aceitação de riscos de seguros, previdência complementar, saúde suplementar, resseguro e retrocessão.
Os recursos captados pelas SSPEs, em conjunto com o prêmio recebido, deverão corresponder, no mínimo, ao valor nominal total da perda máxima possível decorrente dos riscos de seguros e resseguros aceitos, acrescido de despesas que possam ser incorridas pela SSPE, e serão utilizadas exclusivamente para a cobertura dos riscos e o cumprimento das obrigações representadas na LRS emitida (art. 2º, §2º da Lei nº 14.430/2022).
Ainda, a SSPE não responderá diretamente perante o segurado, o participante, o beneficiário ou o assistido pelo montante assumido quando a contraparte for sociedade seguradora, ressegurador, entidade de previdência complementar ou operadora de saúde suplementar, hipótese em que a contraparte ficará integralmente responsável pela indenização.
Pela Lei nº 14.430/220 ainda ser muito recente, é esperado que a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP) e Superintendência de Seguros Privados (SUSEP) ainda venham a regulamentar e/ou atualizar suas respectivas normativas para adequar a LRS no âmbito regulatório.
Assim, conclui-se que apesar do seguro ser um produto que assume riscos e apoia a humanidade e o seu desenvolvimento socioeconômico, é inevitável que para garantir a sua estabilidade financeira, ela tenha que recorrer a alternativas de diluição dos riscos assumidos. Dessa forma, o cosseguro, resseguro, retrocessão e letra de risco de seguros ampliam a capacidade das companhias seguradoras de subscreverem mais riscos e garantem a liquidação do sinistro, em cumprimento a função social de mitigação de prejuízos do mercado securitário como um todo.