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Negócios jurídicos pré-processuais e as convenções contratuais nos atos constitutivos empresariais

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Negócios jurídicos pré-processuais e as convenções contratuais nos atos constitutivos empresariais

“As partes elegem o foro da comarca de São Paulo para dirimir quaisquer dúvidas ou conflitos decorrentes ou relacionados ao presente contrato, renunciando a qualquer outro, por mais privilegiado que seja”.

Essa frase é tão recorrente em atos constitutivos empresariais que já se tornou um clichê. O que normalmente não se percebe, todavia, é que esse é um negócio jurídico típico, previsto no Código de Processo Civil em seu artigo 63[1]. Além de típico, é pré-processual, vez que celebrado em momento anterior ao de eventual propositura de ação judicial.

De tão fixado na praxe, já não há mais questionamentos quanto a sua utilidade. Ocorre, porém, que podem ser celebrados outros negócios jurídicos pré-processuais, nos atos constitutivos de uma empresa, com o objetivo de reger eventuais ações e situações futuras.

Correndo o risco de ser paradoxal, não é o objetivo deste artigo analisar os impactos processuais dos negócios jurídicos processuais. O objetivo é evocar possíveis benefícios extrajudiciais (e eminentemente econômicos) dos negócios jurídicos pré-processuais. Ficou confuso? Peço a gentileza de continuar a ler as próximas linhas, que trazem alguns esclarecimentos.

A nomenclatura dos “negócios jurídicos pré-processuais” decorre do fato de serem convenções que geram efeitos, primordialmente, no processo judicial, uma vez instaurado. Os exemplos são encontrados em profusão na doutrina[2]: redução de prazos, ônus da prova, tentativa de acordo… Sua categorização como típicos ou atípicos, por sua vez, decorre simplesmente do fato de estarem previstos na legislação processual.

O Código de Processo Civil de 2015 trouxe ao ordenamento jurídico uma cláusula geral de negociação, em seu artigo 190[3], que contempla a autonomia da vontade das partes em âmbito processual. Seu grande valor, à luz de uma advocacia consultiva e focada na prevenção de conflitos, é o oferecimento de um fundamento e de balizas para os negócios processuais atípicos, ou seja, aqueles que surgem da convenção dos particulares.

Não há como negar: processos judiciais são custosos e sempre possuem um grau de incerteza. Poder adequá-los à realidade das partes, na medida do possível, é uma grande vantagem.

Quando trazemos essa percepção ao direito empresarial e, mais especificamente, aos atos constitutivos de uma sociedade, encontramos um campo relativamente inexplorado de possibilidades jurídicas, em que pequenos cuidados prévios podem levar a ganhos significativos ao longo do desempenho das atividades da pessoa jurídica.

Poucos são aqueles preocupados com os litígios na hora de constituir uma sociedade, já que normalmente a empolgação negocial se impõe. Esse papel é, via de regra, deixado aos advogados – afinal, já estão acostumados a lidar com problemas. Nada mais justo que deixar a cargo deles esse cuidado, não?

Não. Ou melhor, não apenas a cargo deles.

Veja-se, as pessoas que decidem entrar em sociedade são as que possuem a real dimensão de suas capacidades e limitações, especialmente as econômicas. Uma empresa existe para lucrar e qualquer litígio no meio do caminho que demande o envolvimento de advogados, especialmente envolvendo os próprios sócios, é um custo que deve ser absorvido.

O papel do advogado na constituição de uma empresa, e já mencionei isso em meu artigo anterior sobre o papel da linguagem em contratos, é de prevenir conflitos, antecipando e exaurindo pontos de divergência. O revestimento técnico da vontade das partes é consequência de um diálogo refinado que permita traduzir, no clausulado, o consenso das partes – no caso, os sócios.

Os negócios jurídicos pré-processuais atípicos, portanto, têm o condão de estabelecer normas a reger eventual conflito judicial entre sócios de forma mais harmônica, mais personalizada. Dou alguns exemplos para trazer essa abstração ao mundo real.

Imagine-se: uma disposição contratual que estabeleça a necessidade de uma instrução preliminar ao ajuizamento da ação, de modo a tornar seu trâmite mais célere; vedação de perícia ou obrigatoriedade de sua realização prévia; ainda, determinação de impenhorabilidade de bens.

Podemos ir mais longe, a território ainda nebuloso e controvertido no mundo jurídico: o estabelecimento de litisconsórcio necessário, possivelmente englobando a pessoa jurídica de que são sócios[4]; o estabelecimento de uma divisão igualitária das custas e despesas judiciais; e até mesmo a utilização de provas emprestadas de outros processos envolvendo a empresa.

Não nos olvidemos de questão ainda pouco experimentada na prática forense: a existência de vinculação de sócios ingressantes a negócios jurídicos pré-processuais estabelecidos em contrato ou estatuto social.

O campo de atuação é vasto, e o novo regramento processual brasileiro ainda está em desenvolvimento no que diz respeito a essa temática. Entretanto, a aproximação da autonomia processual com o direito empresarial é inevitável, sobretudo para as empresas que atuam em ramos com alto grau de litígios.

Para essas últimas, dois exemplos bastante úteis, um típico e um atípico, respectivamente, são: acordo de instância única, consagrando apenas um grau de jurisdição; ou o afastamento dos efeitos suspensivos dos recursos, de modo a viabilizar a satisfação das decisões de modo imediato. Ambos os instrumentos buscam aumentar a efetividade dessas decisões.

Finalmente, como este artigo se presta a pincelar alguns temas de forma breve, não poderia deixar de falar da relevância do tema para as empresas familiares.

O processo judicial é originalmente concebido como uma lide, um antagonismo de interesses, um conflito a ser solucionado pelo aparato estatal com a imposição de uma decisão. Para que isso ocorra, as normas procedimentais possuem rigores e formalismos necessários para a garantia da lisura do processo e dos direitos das partes.

Ocorre que, em empreendimentos familiares, o recurso ao judiciário muitas vezes acaba por deteriorar relações de forma muito mais prejudicial do que a própria matéria em discussão. A modulação das regras procedimentais de modo a garantir um desenrolar mais adaptado às preferências daquele núcleo familiar pode, inclusive, ajudar a prevenir novas ações judiciais.

Exemplos bastante simples de se vislumbrar em tais casos seriam: o pacto de disclosure, em que documentos devem ser disponibilizados à outra parte previamente; a obrigatoriedade de conciliação prévia; ou mesmo a estipulação de um julgamento por equidade.

Por fim, para a celebração de negócios jurídicos pré-processuais há que se considerar os requisitos de capacidade das partes (capacidade processual, essa mais ampla que a capacidade civil) e de que o processo verse sobre direitos que admitem autocomposição (escopo esse mais amplo do que o de direitos disponíveis), nos exatos termos do artigo 190 do Código de Processo Civil.

Presentes esses pressupostos, o apoio jurídico especializado pode proporcionar aos futuros sócios uma segurança ainda maior no desenvolvimento de seus negócios e transformar eventuais processos judiciais em uma ferramenta mais efetiva na resolução de conflitos societários.

[1] (CPC) Art. 63. As partes podem modificar a competência em razão do valor e do território, elegendo foro onde será proposta ação oriunda de direitos e obrigações.

[2] BRAGA, Paula Sarn et. al. Negócios Processuais. Salvador: JusPodivm. 2017.

[3] (CPC) Art. 190. Versando o processo sobre direitos que admitam autocomposição, é lícito às partes plenamente capazes estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo.

[4] Tema tratado reiteradamente por Fredie Didier Jr.

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