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Unidade Patrimonial da Pessoa Jurídica: Matriz e Filial Respondem pelas Dívidas uma da Outra?

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Quando se trata de processo envolvendo a recuperação de créditos, é comum que a fase executiva se prolongue por muito mais tempo do que a fase cognitiva da lide. Isso porque, de fato, não é uma tarefa fácil localizar bens e patrimônios pertencentes aos devedores, que, por vezes, obtêm êxito em sua ocultação e dilapidação para evitar a penhora que recairá sobre eles, caso não realizado o pagamento do débito de forma espontânea.

Existem, igualmente, obstáculos quando a parte devedora é uma pessoa jurídica, pois, muito embora órgãos de fiscalização empresarial estejam presentes no cotidiano das organizações no Brasil, ainda assim é possível a utilização de métodos fraudulentos para ocultar bens próprios da pessoa jurídica. Em diversas ocasiões, quando da busca patrimonial para a recuperação de crédito, o advogado se depara com empresas de fachada, sem patrimônios palpáveis e, em inúmeras situações, já inoperantes há tempos e com diversas irregularidades, ou mesmo já extintas de modo irregular – especialmente sem a liquidação das dívidas contraídas.

Todavia, ao buscar patrimônio de pessoas jurídicas passíveis de constrição, é comum que a empresa demandada, de fato, não possua bens sob sua titularidade. Nesse momento, havendo filiais, o advogado passa a procurar bens cadastrados sob o CNPJ destas, que, embora possuam Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica diverso do da matriz, integram uma única personalidade jurídica.

Ainda assim, paira dúvida quanto à possibilidade de busca patrimonial em face das filiais para responder por dívidas da matriz, ou vice-versa. Uma das dúvidas legítimas é: por que a filial pode responder, com seu patrimônio, por dívidas da matriz, e esta, com seu patrimônio, também pode responder pelas dívidas daquela? Isso ocorre porque é entendimento consolidado no Superior Tribunal de Justiça (STJ) que matriz e filial não possuem personalidade jurídica distinta uma da outra, mas sim integram a mesma. Dessa forma, fortaleceu-se o entendimento acerca da unidade patrimonial da pessoa jurídica, que deve englobar tanto os bens da filial quanto os bens da sede, considerando que aquela é apenas uma extensão desta.

Na análise do Recurso Especial nº 1.355.812 – RS, a questão exposta encontra-se bem definida no acórdão, que também dispõe: “a filial é uma espécie de estabelecimento empresarial, fazendo parte do acervo patrimonial de uma única pessoa jurídica, partilhando dos mesmos sócios, contrato social e firma ou denominação da matriz. Nessa condição, consiste, conforme doutrina majoritária, em uma universalidade de fato, não ostentando personalidade jurídica própria, não sendo sujeito de direitos, tampouco uma pessoa distinta da sociedade empresária.”

Diante disso, ao se considerar que tanto sede quanto filial integram um acervo patrimonial pertencente a uma única personalidade jurídica, deve-se relacionar tal afirmação ao disposto no artigo 789 do Código de Processo Civil, o qual estabelece que o devedor responde com todos os seus bens presentes e futuros para o cumprimento de suas obrigações – em obrigações, pode-se ler dívidas –, salvo as restrições estabelecidas em lei. A partir dessa contextualização, é possível utilizar tal argumentação para que constrições alcancem o estabelecimento comercial da filial, considerada extensão da matriz.

Na doutrina, destaca o Prof. Fábio Ulhoa Coelho, com sua expertise em direito empresarial, que: a sociedade empresária pode ser titular de mais de um estabelecimento. Nesse caso, aquele que ela considerar mais importante será a sede, e os outros, as filiais ou sucursais (para instituições financeiras, utiliza-se a expressão agência, para mencionar os diversos estabelecimentos). Em relação a cada um de seus estabelecimentos, a sociedade empresária exerce os mesmos direitos, sendo irrelevante a distinção entre sede e filiais para o direito comercial.

Embora a tese bem firmada pelo STJ, é importante mencionar que, na prática, sobretudo nas demandas que tramitam no primeiro grau, ainda há magistrados que indeferem pedidos para que buscas patrimoniais, como o bloqueio de ativos financeiros via Sisbajud, alcancem além do CNPJ da devedora (quando matriz) e se estendam ao CNPJ da filial, sob o argumento de que, sendo diferentes os CNPJs, tratar-se-ia de pessoas jurídicas distintas, com autonomia patrimonial, impossibilitando a extensão de eventuais bloqueios almejados, o que representa evidente desrespeito ao julgado analisado.

Ademais, deve-se ter em mente que o simples fato de a filial e a matriz possuírem CNPJs distintos não contradiz o que se infere da leitura do acórdão do REsp acerca da unicidade do acervo patrimonial da pessoa jurídica. Isso porque, no caso de abertura de filiais, estas terão a mesma raiz do CNPJ da empresa matriz. Por exemplo, a matriz Empresa Y possui o CNPJ 51.547.154/0001-39[1], ao passo que a filial 1 da Empresa Y possui o CNPJ 51.547.154/0002-10. Ou seja, a raiz do CNPJ, que corresponde aos oito primeiros dígitos, será a mesma tanto para a matriz quanto para as filiais.

Assim, ao se tratar de medidas de constrição patrimonial em processos de recuperação de crédito, é fundamental que advogados e magistrados compreendam a natureza una da pessoa jurídica e a inexistência de separação patrimonial entre matriz e filiais, sob pena de inviabilizar a efetividade da execução e de fomentar comportamentos fraudulentos por parte de devedores. O correto entendimento sobre a unidade patrimonial não apenas confere segurança jurídica às relações processuais, como também fortalece o princípio da efetividade da tutela jurisdicional, permitindo que a busca patrimonial alcance todos os bens pertencentes à pessoa jurídica devedora, independentemente do estabelecimento ao qual estejam vinculados, viabilizando, assim, a satisfação do crédito de forma legítima e justa, que é um dos princípios basilares do processo executivo.

 

[1] Número de CNPJ gerado aleatoriamente para fins de exemplificação.

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