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O problema do prazo decadencial para avisar o sinistro nos seguros de dano

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A lei não define prazo exato para aviso de sinistro e a norma da Susep de seguros de danos proíbe que tal prazo seja fixado nas apólices, o que acarreta um cenário de insegurança jurídica para as partes do contrato de seguro.

Há um antigo provérbio que diz: “melhor o diabo que você conhece do que o diabo que você não conhece”. No direito, chamamos isso de segurança jurídica, definida por José Afonso da Silva como o “conjunto de condições que tornam possível às pessoas o conhecimento antecipado e reflexivo das consequências diretas de seus atos”.

Ocorre que “no Brasil, até o passado é incerto”, como diria a famosa frase atribuída ao ex-ministro da Fazenda Pedro Malan. Mesmo no mercado de seguros, que tem como objetivo reduzir riscos e incertezas, temos regras que causam inexplicável insegurança jurídica, resultando em inúmeras discussões judiciais e custos que não precisariam existir.  

Exemplo disso é o prazo que os segurados dispõem para avisar o sinistro à seguradora. O artigo 771 do Código Civil impõe ao segurado o dever de avisar o sinistro “logo que o saiba”, sob pena de perder o direito à indenização. Mas ninguém sabe precisar quantos dias (ou meses) corresponderiam a esse critério legislativo.

Não haveria nenhuma dificuldade nisso se o contrato de seguro pudesse definir qual o prazo exato que traduz o “logo que o saiba” para cada caso, respeitadas as particularidades dos diferentes ramos de seguro. Afinal, a doutrina e jurisprudência já constataram que o prazo a que alude o art. 771 do Código Civil possui natureza decadencial, de modo que, diferente do prazo prescricional – que decorre apenas de lei -, as partes em tese teriam autonomia para convencionar qual o prazo exato para a decadência do direito de acionar a apólice.

O problema é que, no caso dos seguros de danos, a Superintendência de Seguros Privados – SUSEP expressamente veda a inclusão de cláusula que disponha sobre a fixação de prazo máximo para a comunicação de sinistro. Tal vedação está prevista no art. 42 da Circular Susep 621/2021, reproduzindo o que já constava na norma anterior (art. 39 da revogada Circular Susep 256/2004).

O cenário se agrava se considerarmos que a prescrição nos seguros de dano (de um ano, conforme art. 206, §1º, II, “b”) começa a contar somente da data da negativa da seguradora, depois de encerrada a regulação do sinistro. Esse já era o entendimento do Superior Tribunal de Justiça e agora passará a ser expressamente o marco inicial de prescrição previsto no art. 126, II do novo Marco Legal dos Seguros, que entra em vigor em dezembro de 2025.

Ou seja, o aviso de sinistro está “condenado” a se submeter a um prazo decadencial sempre incerto, o qual não pode ser convencionado pelas partes. Sequer pode haver um prazo máximo subsidiário (de um ano do prazo prescricional legal), o que poderia trazer alguma objetividade para as discussões entre segurado e seguradora.

O novo Marco Legal dos Seguros poderia ter resolvido este problema, porém seu art. 66, II apenas trocará a expressão “tão logo saiba” do Código Civil por “avisar prontamente a seguradora”, sem indicar qualquer prazo ou expressamente autorizar que o contrato de seguro estipule um período específico. As consequências de não avisar prontamente também carecem de objetividade, visto que estão sujeitas ao exame – extremamente subjetivo – do caráter doloso ou culposo do descumprimento pelo segurado.

Seguindo caminho diferente, o anteprojeto de reforma do Código Civil propõe dois prazos em sua proposta de alteração do art. 771: quinze dias para o aviso do sinistro, o qual pode ou não implicar perda de direito (cabendo ao segurado provar que não tinha razoáveis condições de ter avisado o sinistro nesse período); e sessenta dias, os quais sempre implicarão perda de direito caso transcorridos sem o aviso. 

Embora esta última solução sem dúvidas traga mais clareza, muito provavelmente somente a regra do novo Marco Legal de Seguros valerá após dezembro de 2025, revogando-se o art. 771 do Código Civil. Ainda que vencida, porém, a proposta do anteprojeto de reforma do Código Civil para o prazo de aviso de sinistro parece estar mais em linha com outras jurisdições. 

Na Argentina e na Itália, por exemplo, a lei expressamente prevê o prazo de três dias para o aviso de sinistro pelo segurado; no México, cinco dias; na Espanha, sete dias; e em Portugal, oito dias. Há também países em que a lei não indica um prazo definido, mas remete ao contrato de seguro para fixá-lo – caso da França, que proíbe prazos contratuais menores do que cinco dias, ou da Bélgica e Polônia, que remetem apenas ao prazo fixado na apólice.

No Brasil, devido ao silêncio da lei e do contrato sobre o prazo, invariavelmente caberá ao juiz dizê-lo nos casos específicos. Isso gera não apenas insegurança jurídica, como também um incentivo a disputas entre segurados e seguradoras e à judicialização. Há um custo que advém da incerteza.

A fim de solucionar este problema, a SUSEP poderia revogar o art. 42 da Circular 621/2021. Partindo-se do pressuposto que o art. 66, II do novo Marco Legal dos Seguros também trata de um prazo decadencial, tal como o art. 771 do Código Civil que ele irá revogar, as partes poderão convencionar no contrato de seguro qual o prazo aplicável, dando fim à ambiguidade inevitável de interpretar o que significa tão logo saiba ou prontamente em cada caso.

Se a preocupação da autarquia reguladora é de que o mercado segurador estipulará em suas apólices prazos demasiadamente exíguos que prejudicarão os direitos dos segurados, em especial nos ramos de seguros que envolvem relações consumeristas, uma possível saída seria fixar em norma infralegal os prazos mínimos que deverão ser observados pelas sociedades supervisionadas.

Em todo caso, e retomando a ideia do provérbio que inaugurou esse artigo, mesmo um prazo curto é melhor do que prazo nenhum.   

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