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Sucessão Processual da Empresa Dissolvida: Alternativa para credores?

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 O nível de inadimplência em processos judiciais, infelizmente, não é novidade no Brasil. Anualmente são circulados relatórios pelos Tribunais locais e pelo CNJ analisando o gargalo existente nas execuções de títulos extrajudiciais ou judiciais, e os números não são promissores: há uma crescente no volume de execuções frustradas.

Como medidas para sanar esse problema, o CNJ tem atuado em diversas frentes: seja através de orientações para encerramento de execuções fiscais de créditos inferiores a R$ 10 mil[1], seja através do lançamento de plataformas e serviços online para facilitar a consulta de informações e bens dos devedores, como a Central de Escrituras e Procurações (CEP)[2], o CriptoJud[3] e, a mais recente, a atualização do Sistema Nacional de Investigação Patrimonial e Recuperação de Ativos (SNIPER)[4].

Ainda que tais medidas sejam bem-vindas, o êxito nas execuções demanda que o credor – em conjunto com seus advogados – explore ativamente as informações obtidas nesses e em outros sistemas disponíveis ao Judiciário, transformando-as em uma real possibilidade de satisfação do crédito.

Quando esse cenário de inadimplência está vinculado a uma pessoa jurídica, uma possibilidade é o pedido de desconsideração de sua personalidade jurídica, com o objetivo de atingir o patrimônio de seus sócios, ou de empresas que pertencem ao mesmo grupo econômico. Esse tema foi tratado em outro artigo produzido pelo escritório P&P[5], no qual foram analisados os requisitos para sua utilização.

Entretanto, como também alertado em artigo do P&P, produzido pela Dra. Maria Eduarda Kormann[6], a instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica (IDPJ) passou a ser vista com uma maior cautela pelos credores em razão do entendimento da Corte Especial do STJ, que pacificou a possibilidade de fixação de honorários sucumbenciais em desfavor do credor que tem seu pedido incidental indeferido.

A comprovação do abuso da personalidade jurídica da empresa não é prova simples de ser produzida, o que justifica o receio dos credores – e de seus advogados – em se valer da instauração do IDPJ como medida alternativa para satisfação de um crédito inadimplido, uma vez que o insucesso do incidente não apenas reduz a chance de satisfação do crédito, mas também representa um risco de desembolso de valores pelo credor, aumentando assim sua exposição ao risco daquela execução.

Nesse cenário, também vale a criatividade dos advogados do credor, na utilização de medidas alternativas para garantir o sucesso do IDPJ e mitigar o risco para seu cliente, como a utilização da produção antecipada de provas para instrução de futuro IDPJ.

Em paralelo à possibilidade do IDPJ, há outra discussão que interessa aos credores: a possibilidade de requerer a sucessão processual da empresa devedora por seus sócios, após a comprovação formal da perda de sua personalidade jurídica. O fundamento para o pedido é a aplicação por analogia do art. 110 do CPC:

Art. 110. Ocorrendo a morte de qualquer das partes, dar-se-á a sucessão pelo seu espólio ou pelos seus sucessores, observado o disposto no art. 313, §§ 1º e 2º.

Para tanto, é mandatório que o credor comprove ao juízo a efetiva dissolução da pessoa jurídica, mediante certidão obtida na Junta Comercial em que houve o seu registro inicial.

Não se admite como prova a mera presunção de encerramento das atividades da empresa decorrente de fatos como a inaptidão no cadastro da Receita Federal ou a ausência de atividade no endereço social, porquanto tais situações, englobadas nas hipóteses art. 81 da Lei n.º 9.430/1996 – com redação alterada pela Lei n.º 14.195/2021 –, são passíveis de regularização pela pessoa jurídica e não constituem prova cabal da sua extinção.

Como alertado no acórdão publicado quando do julgamento do Recurso Especial n.º 2.179.688/RS, de relatoria do Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado recentemente em 02/09/2025, que decidiu pela possibilidade de sucessão processual da empresa dissolvida: “a sucessão processual não pode ser confundida com o instituto da desconsideração da personalidade jurídica, sobretudo porque se trata de situações que decorrem de circunstâncias fáticas distintas: enquanto a sucessão deriva da extinção voluntária da sociedade empresária, a desconsideração resulta da verificação do abuso da personalidade jurídica por parte dos sócios/administradores (art. 50 do CC/02).”

A confusão mencionada pelo Ministro Relator é comumente observada a partir da análise de decisões proferidas pelos Tribunais Estaduais, onde não raramente os pedidos de sucessão processual da empresa dissolvida são indeferidos sobre a premissa de que tais requisições deveriam ser direcionadas pela via do IDPJ. E, por tal resistência, há outros julgados do eg. STJ que comprovam que o entendimento da Corte Superior não se trata de posição isolada, mas de jurisprudência pacificada sobre o tema: os acórdãos dos Recursos Especiais 1.784.032/SP e 2.082.254-GO são provas disso.

Contudo, mesmo diante da possibilidade de sucessão processual da empresa dissolvida é preciso observar o limite de responsabilidade dos sócios que a sucederão.

A  redação do art. 115 da Lei 11.101/2005 (Lei de Recuperação Judicial e Falências) determina que em caso de falência – hipótese aplicável por analogia à perda da personalidade jurídica da empresa – a pretensão do credor será exigível sobre a totalidade dos bens do falido e sobre o sócio detentor de responsabilidade ilimitada.

Contudo, em cenário de inexistência de sócios com responsabilidade ilimitada, a sucessão processual ocorrerá em desfavor dos demais sócios da empresa, mas limitada aos ativos partilhados pela empresa aos sócios no momento de sua liquidação. A ideia, portanto, é similar ao que ocorre quando do falecimento de pessoa física inadimplente: os seus herdeiros responderão pela dívida do falecido até o limite da herança recebida (art. 1.792 do Código Civil).

Essa linha de pensamento foi reforçada no acórdão publicado quando do julgamento do Recurso Especial n.º 1.784.032/SP, mencionado acima, de relatoria do Ministro Marco Aurélio Bellizze, que em análise ao caso concreto, decidiu pela impossibilidade de manutenção do sócio no polo passivo de execução de título judicial, após comprovado que a dissolução da sociedade não resultou na distribuição de qualquer patrimônio aos sócios da pessoa jurídica.

A análise conjunta dos julgados mencionados também revela que, ao se pretender a sucessão processual da empresa jurídica, cabe ao credor a instauração do procedimento de habilitação, conforme previsto nos artigos 687 a 692 do Código de Processo Civil, momento em que a análise da existência ou não de distribuição de ativos pela pessoa jurídica terá lugar – e, em caso de existência de distribuição, qual a extensão da responsabilidade dos sócios.

É bem verdade que as hipóteses acima analisam exclusivamente a hipótese de sucessão processual a partir do encerramento regular (voluntário) da pessoa jurídica, ou seja, quando a dissolução está comprovada documentalmente, mediante arquivamento na Junta Comercial.

Entretanto, é oportuno registrar que os Tribunais estaduais têm, em certa medida, flexibilizado o entendimento decorrente do Tema Repetitivo 981 do STJ, que firmou a seguinte tese:

O redirecionamento da execução fiscal, quando fundado na dissolução irregular da pessoa jurídica executada ou na presunção de sua ocorrência, pode ser autorizado contra o sócio ou o terceiro não sócio, com poderes de administração na data em que configurada ou presumida a dissolução irregular, ainda que não tenha exercido poderes de gerência quando ocorrido o fato gerador do tributo não adimplido, conforme art. 135, III, do CTN.

O cenário acima versa sobre o encerramento irregular da pessoa jurídica – ou indícios de seu acontecimento – e sua aplicabilidade está restrita, ao menos de forma automática, para os casos de execução fiscal. Entretanto, é possível encontrar no Tribunal de Justiça da São Paulo, por exemplo, decisões que ampliam a aplicação do TR 981/STJ para processos que analisam relações civis e empresariais. Como exemplos podemos citar os recursos de Agravo de Instrumento n.º 2331874-56.2024.8.26.0000 e 2141291-22.2021.8.26.0000.

Não se desconhece que os precedentes estaduais são contrapostos pelo julgamento do Agravo Interno no Recurso Especial n.º 2.175.692/ES, de relatoria do Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em março de 2025. Todavia, por não se tratar de julgamento da Corte Especial ou da Segunda Seção, mas sim da Terceira Turma, não se pode considerar o tema como solucionado pela Corte Superior.

Exemplo disso é o Tema Repetitivo 1.210 do STJ, ainda pendente de julgamento, que afetou os Recursos Especiais n.º 1.873.187/SP e 1.873.811/SP, para padronizar o entendimento sobre a possibilidade de se instaurar incidente de desconsideração de personalidade jurídica a partir das hipóteses de inexistência de bens penhoráveis e/ou eventual encerramento irregular das atividades da empresa – ainda que as decisões isoladas das Turmas já indicassem uma pré-padronização pelo indeferimento de tal possibilidade. É, afinal, a prova de que o direito não é estanque e, em especial, de que o sistema de execução requer constante estudo e adaptações.

Por isso, credores e seus advogados devem estar atentos não somente aos contantes esforços do CNJ para equalização do gargalo de processos de execução, mas especialmente às relevantes discussões travadas nos Tribunais locais e no STJ. Como evidenciado, mesmo diante do cenário de inadimplemento, a adoção de estratégia processuais adequadas, como a sucessão empresarial de empresas dissolvidas, maximiza o exercício do direito satisfativo, aumentando a chance de sucesso da execução.


Notas de Rodapé

[1] https://www.cnj.jus.br/juizes-podem-extinguir-execucao-fiscal-com-valor-de-ate-r-10-mil/

[2] https://www.cnj.jus.br/central-online-de-escrituras-e-procuracoes-esta-aberta-para-consulta/

[3] https://www.cnj.jus.br/criptojud-novo-sistema-possibilita-consulta-on-line-da-posse-de-criptoativos-por-devedores/

[4] https://www.cnj.jus.br/cnj-lanca-nova-versao-de-ferramenta-integrada-de-investigacao-patrimonial/

[5] https://poletto.adv.br/aplicabilidade-do-incidente-de-desconsideracao-da-personalidade-juridica-no-ordenamento-juridico-brasileiro/

[6] https://poletto.adv.br/ganhou-mas-nao-levou-honorarios-sucumbenciais-no-idpj-inspiram-preocupacao-e-cautela-adicional-a-credores/

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