Por Rafael Leonardo Borg, Advogado do Núcleo de Seguros da Poletto & Possamai e LL.M em Direito Comercial e Corporativo Internacional pela Universidade de Maastricht, Holanda.
A teoria dos jogos analisa a tomada de decisão de indivíduos racionais em um cenário de interação estratégica. O exemplo mais famoso é o dilema do prisioneiro, que demonstra porque indivíduos completamente racionais acabam por agir em seu próprio interesse ao invés de cooperarem – gerando um resultado menos eficiente para ambos.
Aplicado à economia, o dilema revela uma premissa básica: se todos buscarem apenas o aumento da própria vantagem, sem se importar com o resultado do outro, a consequência final será maior ineficiência e menor retorno na perspectiva coletiva. Ou seja, comunicação e cooperação são fundamentais para alcançar o melhor resultado econômico para todas as partes.
Tal premissa deve orientar as medidas tomadas neste momento nos contratos garantidos por apólices de seguro-garantia. Não há dúvidas de que a pandemia de Covid-19 terá impactos gigantescos nos contratos em curso, sobretudo nos que envolvem grandes obras. A quarentena esvaziará a mão-de-obra; o fechamento de fronteiras inviabilizará o fornecimento de peças e equipamentos; a recessão reduzirá a capacidade financeira das empresas etc.
Os impactos podem ser ainda maiores, contudo, se as partes tomarem decisões drásticas, sem consultar os demais envolvidos. Caso a resposta dos segurados aos inadimplementos dos tomadores seja a rescisão dos contratos, aplicação de multas e acionamento das apólices, terá início uma reação em cadeia que não favorecerá ninguém.
Haverá uma onda de ações judiciais, com discussões acerca da aplicabilidade de cláusulas de força maior dos contratos garantidos e de cláusulas de exclusão de cobertura das apólices. Enquanto as partes suportam os custos judiciais e os prejuízos advindos da perda do negócio, a sociedade como um todo suporta os custos da falta de conclusão de diversas obras.
Cabe às partes se comunicarem e cooperarem para evitar esse cenário de ineficiência, buscando mitigar ao máximo as inevitáveis perdas produzidas pela pandemia.
Para evitar rescisões, as partes podem convencionar maneiras de adequar o contrato à nova realidade. A lei garante ao tomador o direito de suspender o cumprimento de suas obrigações em casos de força maior, até que seja normalizada a situação, tanto em contratos administrativos (art. 78, XIV da Lei 8.666/93) como em contratos de empreitada privados (art. 625, I do Código Civil).
A suspensão (e consequente prorrogação do prazo de execução) deverá ser formalizada por meio de termo aditivo, implicando a necessidade de emissão de endosso pela seguradora para manutenção da garantia. Embora o clausulado padrão das apólices de performance faculte às seguradoras a saída do risco nesses casos – por se tratar de alteração não estabelecida previamente no contrato principal -, o ideal para o mercado é que as seguradoras mantenham as garantias hígidas.
Se as partes cooperarem e tomarem as medidas acimas, todos se beneficiarão. As seguradoras evitarão o acionamento em massa de suas apólices (e ainda recolherão prêmio adicional com a emissão de endossos). O segurado viabilizará o recebimento do objeto do contrato, com a retomada da execução após a crise. O tomador evitará o inadimplemento e receberá o preço do contrato. Todos – segurado, tomador e seguradora – evitarão os custos de discussões no judiciário ou em arbitragens.
Considerando as proporções dessa crise, não é o momento de decisões individualistas, onde se busca vantagens em detrimento do parceiro comercial. As partes devem cooperar para a estabilidade econômica, esforçando-se, na medida do possível, para manter os contratos e as suas garantias vigentes.