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Como a Lei 15.040/2024 muda a regulação de sinistros: transparência, prova e riscos para seguradoras

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A regulação de sinistros não encontra previsão expressa no Código Civil no capítulo sobre o contrato de seguro, apesar de sua extrema relevância e complexidade. No entanto, a Nova Lei do Contrato de Seguro (Lei nº 15.040/2024) trouxe um total de 13 dispositivos sobre o tema (artigos 75 a 88).

Deve-se ter em mente que, através do contrato de seguro, há transferência das consequências econômicas do risco caso ele venha a se materializar em sinistro para a coletividade. Para tanto, as seguradoras mantêm um grande aparato burocrático para assegurar esses riscos, indenizar o sinistro (caso venha a ocorrer) e, por consequência, dar continuidade à sua atividade econômica.

Uma dessas atividades é a regulação de sinistros. Esse procedimento constitui na análise, por parte da seguradora, da ocorrência de um evento danoso para determinar a sua elegibilidade e o âmbito da cobertura. Como resultado, tem-se a mensuração dos danos e a definição da quantia a ser paga, representando, assim, um momento crucial do contrato, no qual se estabelece a posição da seguradora face ao direito indenizatório do segurado [1].

A regulação, portanto, se insere no processo obrigacional do contrato de seguro como etapa subsequente ao aviso de sinistro e antecede o pagamento da indenização securitária. Isto é, situa-se entre o momento da exigibilidade do crédito (sinistros) e do seu adimplemento (pagamento da quantia).

A complexidade da regulação de sinistros leva a uma notória conclusão: são muito elevados os custos para atuar no mercado securitário e, mais do que isso, para fazê-lo de forma adequada. Sem uma séria regulação, os prejuízos não se limitam às partes interessadas, mas à sociedade como um todo. O procedimento permite não só o cumprimento da função social do contrato a cada caso concreto, como também é crucial para gestão de riscos, identificação de padrões, causas e fatores. Ele sustenta o ecossistema do seguro, organizando todas as etapas desde o acionamento da apólice até a indenização.

A legislação recém promulgada inovou o ordenamento jurídico brasileiro ao dispor sobre a regulação de sinistros. Até 2024, somente países como Itália, França, Argentina, Inglaterra e Alemanha possuíam normas específicas sobre essa etapa crucial do contrato de seguro. Entre os pontos mais relevantes, destacam-se a fixação de prazos, deveres de transparência, cooperação e celeridade e o maior rigor da prova documental.

Prazos definidos para a regulação

A lei trouxe a obrigatoriedade das seguradoras de concluírem a regulação de liquidação de sinistros dentro do prazo de 30 dias, contados a partir da data da reclamação ou do aviso de sinistro (artigo 86). Nas hipóteses em que “a verificação da existência da cobertura implique em maior complexidade na apuração”, o prazo poderá ser estendido para 120 dias (§ 5º).

Caso a seguradora não se manifeste sobre o reconhecimento da cobertura nesses prazos, poderá perder o direito de recusá-la. Contudo, a lei prevê a suspensão dos prazos na hipótese em que a seguradora ou o regulador solicitarem documentos complementares, limitado a duas vezes (§ 3º).

Transparência e cooperação

Um dos objetivos claros da lei é fortalecer a confiança entre segurado e seguradora, a partir da introdução expressa de deveres anexos de transparência e cooperação que, no regime do Código Civil, seriam apenas implícitos ao dever geral de agir conforme a boa-fé objetiva.

Isso fica evidente da leitura do artigo 82, que estabelece que “o relatório de regulação e liquidação de sinistros é documento comum entre as partes”, em conjunto com o artigo 83, que impõe à seguradora o dever de entregar ao interessado todos os documentos obtidos durante a regulação na hipótese de negativa de cobertura. Há uma preocupação normativa em proteger o segurado contra negativas infundadas ou que não refletem a realidade fática identificada na produção de provas da regulação.

Nesse sentido, é dever do segurador apresentar a fundamentação técnica e/ou jurídica da negativa total ou parcial do sinistro como forma de dar cumprimento aos deveres anexos de cooperação, confiança, transparência e boa-fé.

Por outro lado, os deveres não se restringem ao segurador. A lei também impôs ao segurado a obrigação de informar o sinistro ou a iminência de seu acontecimento “prontamente” (artigo 66, II), apresentando todas as informações que possua sobre o sinistro, bem como adotar providências para minorar seus efeitos.

Prova documental

O rigor atribuído à prova documental dentro do capítulo da regulação de sinistros é recorrente em diversos dispositivos, também como forma de cumprir os deveres anexos.

O caput do artigo 86, por exemplo, contém dever a ser cumprido pelo segurado e/ou interessado de apresentar, quando avisar o sinistro, todos os documentos necessários para que o segurador apure, de fato, a existência de cobertura contratual; extensão dos danos; os valores a serem indenizados, entre outros aspectos para a liquidação.

Na mesma linha, pela regra do § 1º, o segurador tem o dever de especificar quais documentos se mostram necessários para que a regulação seja realizada.

Cabe mencionar também a regra do § 6º, que determina que a recusa de cobertura deverá ser expressa e motivada, “não podendo a seguradora inovar posteriormente o fundamento, salvo quando, depois da recusa, vier a tomar conhecimento de fatos que anteriormente desconhecia”. Ou seja, o relatório final de sinistro – especialmente o que nega o sinistro – deve ser o mais completo e bem fundamentado possível.

O dispositivo deve ser interpretado em consonância com a Constituição e os princípios do contraditório, da livre manifestação e ampla defesa.

Breve conclusão

A regulação de sinistros é um procedimento técnico e ideal para estimular o diálogo entre as partes contratantes, seja para ampliação da compreensão das cláusulas contratuais, seja para a consolidação do objetivo primordial da contratação do seguro dentro do caso concreto.


[1] MIRAGEM, Bruno. PETERSEN, Luiza. Direito do Seguro Contemporâneo: edição comemorativa dos 20 anos do IBDS, Volume 1. São Paulo: Editora Contracorrente, 2021. Pag. 445.

 

Publicado originalmente no Conjur.

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