
O Imposto sobre Valor Agregado (IVA) substituirá o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e o Imposto sobre Serviços (ISS). O IVA brasileiro terá estrutura dual, composta pela Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) na esfera federal, e pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), na esfera estadual e municipal.
Na tradição internacional, o IVA é centrado em uma esfera única, com poucos países adotando o modelo dual, notadamente Canadá e Índia. Agora, um imposto em duas esferas no qual a competência tributária de uma delas é compartilhada entre 26 estados, um Distrito Federal e mais de 5.500 municípios, é novidade. Como diria Tom Jobim: o Brasil não é para principiantes.
A existência do imposto IBS – integrante do IVA e gerido de forma compartilhada entre estados e municípios – pressupõe um local de coordenação, de unificação normativa e procedimental e, sobretudo, de garantia da confiança e cooperação entre as administrações tributárias estaduais e municipais.
O Comitê Gestor do Imposto sobre Bens e Serviços (CG-IBS) é um órgão administrativo sem paralelo no mundo. Instituído pela reforma tributária e regulado pelo PLP nº 108/2024, é um órgão técnico administrativo, executor, pensado em moldes similares ao Comitê Gestor do Simples Nacional.
Sua função é administrar, da forma mais ampla, o IBS. São competências constitucionais exclusivas do CG-IBS: i) editar regulamento único e uniformizar a interpretação e a aplicação da legislação do imposto; ii) arrecadar o imposto; iii) efetuar as compensações e distribuir o produto da arrecadação entre Estados, Distrito Federal e Municípios; e iv) decidir o contencioso administrativo. Além disso, deverá atuar em conjunto com a União – responsável pelo CBS, a outra esfera do IVA – para harmonizar o sistema tributário como um todo.
A arrecadação do imposto não é mais atribuição das fazendas estaduais e municipais. É centralizada, de competência exclusiva do CG-IBS, que procederá a repartição destes valores entre os entes federativos. Esse procedimento requer profunda confiança federativa e a implementação de instrumentos que garantam a distribuição paritária.
Embora não seja um órgão político, o CG-IBS terá gigante poder administrativo e institucional. A grandeza das atribuições concedidas a um comitê sem paralelo pode suscitar dúvidas quanto à natureza das decisões – se técnica ou políticas – com relação ao imposto sobre bens e serviços, que correspondeu a 13,91% do PIB brasileiro em 2024, conforme relatório do Tesouro Nacional.
Também se questiona o quanto as decisões do comitê serão levadas ao Poder Judiciário. O IBS unifica dois impostos com tradições tributárias diferentes. O ICMS, tributo estadual não cumulativo, e o ISS, tributo municipal cumulativo (o que significa que não admite creditamento). O CG-IBS terá que regulamentar e fiscalizar duas administrações tributárias intrinsicamente distintas e torná-las uma só. Suas decisões dificilmente agradarão a todos os envolvidos – Estados, Municípios e contribuintes – que defenderão cada qual o seu interesse.
Além disso, não é possível que IBS e CBS tenham soluções contraditórias para definir o local de incidência do tributo para a mesma operação. Imagine que a União estabeleça que determinado bem ou serviço tenha o local de destino A, com incidência de CBS no local A, enquanto o CG-IBS defina a incidência do IBS para o mesmo bem ou serviço no local B. Isso geraria insegurança jurídica, conflito entre contribuinte e fisco e até perda de arrecadação por não satisfação do crédito.
Como consequência, dentre as funções do CG-IBS está garantir a uniformidade e simplificação do sistema tributário para os contribuintes. Deverá harmonizar princípios, normas gerais e obrigações acessórias, compartilhar informações e implementar soluções integradas para a administração do IVA, por meio da colaboração entre comitê, União e Receita Federal (arts. 156-B, §§6º e 7º).
Atritos envolvendo o comitê já começaram. As eleições para a escolha dos representantes municipais estão paralisadas em razão de disputas entre as entidades homologadas para inscrever chapas (Confederação Nacional de Municípios e Frente Nacional de Prefeitas e Prefeitos). Após instalação provisória do comitê com apenas representantes dos Estados e eleição do presidente, inclusive com inscrição no CNPJ, o Conselho Nacional de Municípios emitiu nota de repúdio para “manifestar profunda indignação˜ e declarar “publicamente a sua retirada formal do acordo de cooperação técnica estabelecido com os Estados e Distrito Federal”.
A verdade é que o Comitê Gestor do IBS é um motor administrativo, uma peça-chave no quebra-cabeça da tributação sobre o consumo, e deve ser tratado como tal. Estará à frente do período de transição (quatro anos de coexistência do IVA com ICMS e ISS), da arrecadação, repartição, regulamentação e contencioso administrativo do IBS (que hoje está distribuído entre todos os estados e municípios), assim como será responsável por conciliar as administrações tributárias estaduais e municipais e representá-las no diálogo com a União.
https://analise.com/opiniao/19701
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