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STJ condiciona indenização securitária ao desfecho da arbitragem sobre contrato principal

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Os contratos de seguro, diante da especificidade de seu objeto e de sua própria natureza — assunção de riscos incertos, porém predeterminados — exigem interpretação cuidadosa. Isso é ainda mais evidente no caso do seguro-garantia, modalidade específica que atrai uma análise criteriosa de seu objeto e de seus limites.

O seguro-garantia tem como objeto o cumprimento de outro contrato, denominado contrato principal, firmado entre o tomador e o segurado. Como explica Gladimir Poletto [1], “O seguro-garantia possui a finalidade de assegurar as incertezas que envolvem a não completude das obrigações previstas no contrato principal, em razão de possíveis deficiências técnicas e econômicas do tomador”.

Por essa razão, as consequências jurídicas decorrentes do contrato de seguro-garantia devem ser analisadas à parte do contrato de seguro, em si objeto e dentro de suas limitações, mas sem perder de vista o conjunto de normas (legais, regulamentares e contratuais) aplicáveis à relação securitária em análise.

Com esse olhar criterioso, o Superior Tribunal de Justiça analisou recente questão que lhe foi proposta envolvendo seguro-garantia e arbitragem: o procedimento arbitral instaurado entre tomador e segurado, para definir o descumprimento do contrato garantido, é uma questão prejudicial para decidir sobre indenização securitária requerida pelo segurado em face da seguradora? Para o STJ, sim.

A 3ª Turma da Corte Superior decidiu, por unanimidade, suspender uma ação de indenização movida contra seguradora, entendendo que o julgamento dependia da conclusão de arbitragem já em curso [2].

Ainda que primariamente processual (aplicação do artigo 313, V, “a”, do CPC [3]), a análise do STJ também envolveu aspectos de direito material. A apuração do dever de indenizar pela seguradora depende da resposta à pergunta: há prejudicialidade externa entre a decisão arbitral e a decisão a ser proferida na ação indenizatória ajuizada em face da seguradora? Para o STJ, a resposta positiva deve se orientar em consonância com as normas regulamentares aplicáveis ao seguro-garantia quanto à natureza do contrato.

Respeito à apólice e centralidade da arbitragem

A Circular Susep 662 define o sinistro no seguro-garantia como a inadimplência do tomador em relação à obrigação garantida [4]. Trata-se do descumprimento de obrigação prevista no contrato principal, desde que esteja no escopo de garantia definido na apólice.

Portanto, para se reconhecer o direito à indenização securitária, é imprescindível identificar o risco efetivamente coberto pela apólice de seguro-garantia e verificar se ele efetivamente se concretizou.

É nesse ponto que reside a prejudicialidade entre eventual procedimento arbitral instaurado entre as partes do contrato principal (tomador e segurado). Havendo cláusula compromissória, a apuração sobre a existência de inadimplemento contratual compete ao juízo arbitral, cuja decisão vincula as partes e pode ser oposta também a terceiros interessados.

Em síntese, a decisão do STJ reforça a necessidade de se respeitar os limites contratuais e regulatórios do seguro-garantia, bem como a centralidade da arbitragem quando pactuada entre as partes. Ao condicionar a análise da indenização securitária ao desfecho da arbitragem, o tribunal preserva a lógica da relação triangular própria dessa modalidade de seguro, confere segurança jurídica às partes e evita decisões contraditórias, assegurando maior equilíbrio e previsibilidade às relações contratuais.
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[1] POLETTO, Gladimir Adriani. O seguro-garantia: eficiência e proteção para o desenvolvimento. São Paulo: Editora Roncarati, 2021.

[2] REsp n. 2.182.031/RJ, relator ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, 3ª Turma, julgado em 6/5/2025, DJEN de 15/5/2025.

[3] Art. 313. Suspende-se o processo: (…) V – quando a sentença de mérito:
a) depender do julgamento de outra causa ou da declaração de existência ou de inexistência de relação jurídica que constitua o objeto principal de outro processo pendente;

[4] BRASIL. Superintendência de Seguros Privados (Susep). Circular nº 662, de 5 de julho de 2021. Dispõe sobre o processo de solicitação de registro e de comunicação de movimentação de empresas seguradoras, de capitalização e de previdência privada. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 5 jul. 2021.

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https://www.conjur.com.br/2025-set-07/stj-condiciona-indenizacao-securitaria-ao-desfecho-da-arbitragem-sobre-contrato-principal/

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