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Os reflexos da teoria da absorção no sistema tributário

Por

IMG_0335Por Gabriel Luis Marcon Bark – Trainee Graduado em Direito na Unicuritiba

Recentemente, uma decisão proferida pelo Tribunal de Impostos e Taxas (TIT) do Estado de São Paulo, órgão competente para o julgamento de processos administrativos tributários decorrentes de lançamentos realizados de ofício, chamou a atenção da mídia[1] para o debate quanto à aplicabilidade daquilo que se chamou de princípios de direito penal na seara do direito tributário.
A questão se dedicava, em essência, a expor como em recentes e expressivas decisões o TIT havia determinado que, na hipótese em que uma conduta singular do sujeito passivo fosse suficiente para a caracterização de mais de uma infração, apenas a penalidade mais grave incidiria sobre o agente.
Especificamente, um dos focos da discussão foi o recente julgamento do processo nº 4028301-0, no qual a Câmara Superior do TIT-SP reconheceu, conforme expresso no voto do relator, o fato de que “Por se tratar de infrações simultâneas decorrentes da mesma conduta, é imperioso que a acusação fiscal mais grave, ou seja, aquela cujo valor jurídico tutelado se mostra de maior relevância, como é o caso do creditamento indevido do ICMS, absorva a acusação menos grave”.
Em vista desta e de outras decisões, então, passou-se a expor argumentos favoráveis e desfavoráveis à possibilidade de se proceder à aplicação do chamado princípio da consunção, também chamado de princípio da consumação, também dentro da “área” do direito tributário.
Mencionado princípio, que pode ser entendido como aquele “(…) segundo o qual um fato mais amplo e mais grave consome, isto é, absorve, outros fatos menos amplos e graves, (…).”[2], implica, em uma necessária absorção de um delito menos grave por outro mais severamente reprimido, desde que o potencial lesivo do delito menor se encerre com a consumação do outro crime[3].
Em síntese, o encerramento do potencial lesivo significa dizer que este crime absorvido pode ser entendido como “uma passagem obrigatória para se alcançar a realização do (crime) mais grave”[4].
Partindo da descrição acima, a primeira objeção que poderia ser levantada consistiria em destacar que, em verdade, o princípio da consunção revela possuir uma aplicação ligeiramente mais restrita do que o raciocínio adotado nos votos do Tribunal de Impostos e Taxas, na medida em que o primeiro incide quando se está diante de duas condutas culpáveis distintas, mas que o êxito de uma delas está diretamente relacionado à prática da outra, ao passo em que as decisões do TIT defendem a absorção de uma ou mais infrações mais leves que tenham nascedouro numa única conduta.
Na realidade, da breve comparação estabelecida acima, o instituto sancionador que mais pareceria se amoldar às decisões do Tribunal de Impostos e Taxas, a título argumentativo, é o do concurso formal de crimes, previsto no art. 70 do Código Penal.
Tal instituto tem por condão determinar a aplicação da pena mais grave, ou, de apenas uma das penas, caso iguais, desde que as condutas incriminadas resultem de um mesmo ato de vontade, e sua cumulação não seja dolosa.
Todavia, a questão que chama a atenção  revela-se certamente mais complexa do que o cenário desenhado acima, pois a partir do momento em que se admite que se “empreste” princípios entre “áreas” do direito, torna-se forçoso reconhecer que dentro do complexo ordenamento jurídico, cada vez menos se tem espaço para a segmentação do discurso jurídico entre “áreas”, sob pena de se colocar em xeque noções basilares da teoria geral do direito, tais quais a segurança jurídica.
Com efeito, se por um instante o operador do direito olvidasse que o ordenamento jurídico é uno, e decidisse tratar o discurso jurídico como seccionado em áreas, evidentemente que a primeira conclusão que seria obtida seria a de negar a adoção de qualquer mecanismo de absorção de penalidades, posto que sua fundamentação residiria em “outra área do direito”.
Este raciocínio, por sua vez, colidiria frontalmente com a premissa de unidade do ordenamento jurídico, visto que, tanto na sanção tributária como na criminal, a atividade exercida é unicamente a de sancionamento. Tratar de maneiras diferentes coisas que, em essência tem a mesma finalidade repressiva, encerra por afrontar a segurança jurídica.
Por este motivo, então, é que se mostra defensável o posicionamento adotado pelo TIT-SP, na medida em que pode ser entendido como um exemplo de que a melhor saída para o direito, muitas vezes, implica em escapar à exegese legal.
Por fim, insta destacar que não há pretensão de se esgotar o tema neste momento, visto que uma resposta para todas as implicações que decorrem do presente estudo certamente não é facilmente elaborada.
O que chama a atenção, em verdade, é o fato de que uma discussão como essa serve a relembrar que, de tempos em tempos, o operador do direito deve adotar uma postura de questionamento, ainda que disso resulte uma série ainda maior de indagações.
Afinal, esta atitude de questionamento e de proposição de novas soluções aos problemas do direito é que efetivamente representa um passo firme e necessário à manutenção da ordem e da segurança jurídica.
E é nesta embate que a equipe da Poletto & Possamai Sociedade de Advogados acredita e empreende esforços, visando, cada vez mais, promover o exercício do direito com excelência.

[1] https://www.valor.com.br/legislacao/5345681/uso-de-principio-penal-reduz-valor-de-autuacoes-fiscais
[2] CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal – Parte Geral. 13ª ed., Saraiva: 2009, p. 74
[3] Conforme se extrai da leitura da Sumula nº 17 do Superior Tribunal de Justiça, que diz, in verbis: Quando o falso se exaure no estelionato, sem mais potencialidade lesiva, é por este absorvido
[4] REALE JÚNIOR, Miguel. Instituições de direito penal: parte geral. 4ª ed. Martins Fontes: 2013, p. 273.

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