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Medidas executivas atípicas e inovação processual: caminhos para mitigar o problema das execuções infrutíferas.

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Por Bruno Nascimento da Silva, Trainee do Núcleo Contencioso e Graduando em Direito pela Universidade Federal do Paraná.


A “explosão de litigiosidade”[1] revelou a urgente necessidade de reformulação do Poder Judiciário e de suas formas de atuação para solução das questões que lhe são apresentadas.

Ao longo dos anos, diversas foram as incursões do poder estatal em busca do incremento da eficiência do poder judiciário. As medidas adotadas passam pela Emenda Constitucional nº 45/2004, que incluiu no rol de direitos fundamentais a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação e pela edição do Novo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015), pautado pela lógica da cooperação processual em detrimento da perspectiva anterior de litigiosidade excessiva, incluindo dentre as normas fundamentais do processo civil o direito à obtenção da solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa em prazo razoável (art. 4º).

Entretanto, os indicadores do Banco Nacional de Dados do Poder Judiciário, mantido pelo Conselho Nacional de Justiça[2], revelam que a situação está longe de uma solução, principalmente no que se refere aos processos em fase de execução.

Segundo a pesquisa, apenas em 2018 foram identificados mais de 4 milhões (4.444.914) de casos novos em fase de execução. O número expressivo se soma à crescente verificada na última década: em 2009 o total de ações dessa natureza era de 30,2 milhões, ao passo que em 2018 o volume chegou à casa dos  42,6 milhões de ações em fase de execução.

O acúmulo de processos nesta fase vem gerando entraves à atividade jurisdicional e à satisfação dos credores.  Entre as situações mais preocupantes diagnosticadas por meio do Informativo estão os Tribunais de Justiça do Rio de Janeiro, de Santa Catarina e de Pernambuco em que os processos em fase de execução representam 92,2% da taxa de congestionamento[3].

Também preocupante é a situação dos Tribunais de Justiça do Distrito Federal e Territórios e de São Paulo, onde as execuções representam 60% do acervo total de processos ativos.

O comparativo da média de duração das fases do processo de conhecimento e executiva é igualmente alarmante: enquanto a ação de conhecimento tem duração média de 1 ano e 1 mês,  a execução judicial se estende, em média, por 2 anos e 9 meses (ou seja, mais que o dobro do tempo para resolução do mérito), ao passo que a execução de título extrajudicial  se arrasta, em média, por longos 8 anos e 6 meses.

Com esse cenário, não é incomum encontrar escritórios de advocacia e credores sobrecarregados com execuções infrutíferas, muitas vezes em razão da de dissoluções irregulares de empresas e ocultação de patrimônio por parte de devedores contumazes.

Nestes casos, o credor enfrenta grande onerosidade para comprovar as situações de ocultação patrimonial, tendo em vista que dispõe de pouca ou nenhuma informação acerca das movimentações financeiras do devedor, o que inviabiliza que se adotem medidas aptas a evitar dilapidação de patrimônio com a facilidade e celeridade que seriam necessárias.

Apesar do inegável avanço do Código de Processo Civil que, por exemplo, reformou o dispositivo que determinava uma etapa obrigatória na execução na qual o próprio devedor deveria indicar bens a penhora, em favor de um dispositivo que torna a indicação faculdade do credor, ainda se observa excessiva burocracia na penhora e alienação de bens para satisfação de débitos.

Em vista deste cenário, medidas executivas atípicas e mecanismos de inovação processual vêm sendo adotados para mitigar as dificuldades atuais. O direito comparado também fornece caminhos alternativos que podem inspirar novas soluções.

O direito alemão, por exemplo, confere maiores poderes ao oficial de justiça: com a finalidade de atribuir maior celeridade à execução, a figura do oficial pode atuar “ex oficio” para obrigar o devedor a indicar bens para satisfação do crédito, e apontar sua localização, compelindo o devedor a juramentar suas declarações sob pena de responsabilização criminal, competência, em muito, distante daquelas atribuídas ao oficial de justiça brasileiro que tem sua atuação restrita ao determinado pelo mandado que lhe confere poderes.

No plano nacional, com fulcro no art. 139, inciso IV, do Novo Código de Processo Civil, medidas atípicas têm sido intentadas a fim de incrementar os índices de satisfação das demandas. As medidas incluem a retenção de CNH e passaporte, o cancelamento de cartões de crédito e a penhora de percentual sobre verbas salariais em montante que não reduza o devedor à condição de miserabilidade. Aos poucos, as cortes superiores estão delineando os contornos de admissibilidade das medidas executivas atípicas[4].

Outra inovação interessante foi apresentada pela Corregedoria do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo em seu Manual de Práticas Cartorárias[5]. O Manual traz a possibilidade de expedição de alvará concedendo poderes ao credor para que este, por conta própria, diligencie perante os órgãos que entender necessários, para obter as informações necessárias à localização de bens do devedor, garantindo maior celeridade às diligências que até então dependiam de requerimento individualizado, deliberação do magistrado, expedição de ato ordinatório ou ofício pela vara para posterior recebimento e resposta pelo órgão informante.

Não obstante, até o momento não há solução definitiva para o incremento de eficiência em relação à pretensão satisfativa dos credores que recorrem ao poder judiciário, nem tampouco entendimento firme quanto aos limites para adoção de medidas atípicas no bojo de execuções.

Assim, ainda há muito espaço e demanda para o exercício criativo da advocacia e inovação em busca de uma solução que atenda aos anseios dos credores e preserve os demais direitos fundamentais implicados.

[1] Fenômeno que demonstrou o ajuizamento de 135% a mais de ações no ano de 2000 comparado com 1990, segundo o Banco Nacional de Dados do Poder Judiciário
[2] Informativo acerca da litigiosidade no país no ano de 2018 disponível em https://www.cnj.jus.br/files/conteudo/arquivo/2019/08/4668014df24cf825e7187383564e71a3.pdf. Acesso em: 02 de setembro de 2019.
[3] Taxa de Congestionamento: indicador que mede o percentual de casos que permaneceram pendentes de solução ao final do ano-base, em relação ao que tramitou (soma dos pendentes e dos baixados). Cumpre informar que, de todo o acervo, nem todos os processos podem ser baixados no mesmo ano, devido a existência de prazos legais a serem cumpridos, especialmente nos casos em que o processo ingressou no final do ano-base.
[4] Como demonstram as decisões proferidas no REsp 1.782.418 e no REsp 1.788.950.
[5] Disponível no endereço https://www.tjsp.jus.br/Download/Corregedoria/Manuais/ManualMinutasNovoCPC.pdf. Acesso em: 02 de setembro de 2019

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