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Apontamentos sobre a recente decisão do Conselho Nacional de Justiça acerca da intimação judicial através do aplicativo Whatsapp.

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Recentemente o Conselho Nacional de Justiça – CNJ, que é uma instituição pública que trabalha no aperfeiçoamento do sistema judiciário brasileiro, precipuamente em questões de administração judiciária, exarou seu entendimento sobre a possibilidade de intimação[1] judicial da parte e/ou do seu procurador através do aplicativo Whatsapp.[2]

O tema chegou ao CNJ em razão de que o Juiz de Direito da Comarca de Piracanjuba, Estado de Goiás, baixou uma Portaria autorizando o uso do aplicativo, de maneira facultativa, para intimações e comunicações, no âmbito do Juizado Especial Cível e Criminal daquela Comarca. Entretanto, o Corregedor-Geral da Justiça daquele Estado proferiu decisão pela não ratificação do ato e, consequentemente, determinou a sua revogação.

A conselheira do CNJ, Desembargadora Daldice Santana, relatora do procedimento administrativo, apontou que o emprego desta ferramenta vai ao encontro dos fundamentos da oralidade, simplicidade e informalidade norteadores dos Juizados Especiais. Ponderou, ainda, que desde a edição da Lei n.º 11.419/2006, que dispôs sobre a implementação da informatização do processo judicial, a tecnologia passou a ser uma aliada do Poder Judiciário. Por fim, consignou que a celeridade no trâmite processual é algo que ultrapassa o direito da própria parte, pois gera uma melhoria da perspectiva do cidadão frente ao Poder Judiciário.

A explicitação deste posicionamento pelo CNJ gerou várias discussões sobre a temática, tanto com relação ao seu procedimento quanto à supostas violações a direitos fundamentais processuais a ela interligados.

De acordo com os contornos da decisão proferida, a manifestação favorável à utilização do aplicativo destina-se tão somente aos Juizados Especiais, que são órgãos criados para o julgamento de demandas menos complexas, com princípios norteadores ímpares, se comparados a outras esferas do Poder Judiciário.

Além disso, observou-se que se trata de uma alternativa concedida a parte e, se representada, ao seu advogado. Portanto, além de não ser uma medida impositiva, não é forma de substituição dos métodos convencionais de intimações judicias.

Com relação ao seu procedimento, em primeiro lugar, a parte interessada deverá, formal e expressamente, manifestar a sua vontade na utilização, para, tão somente após tal diligência, receber a intimação judicial por meio do aplicativo.

No que tange à dinâmica do procedimento, no caso específico, o Juiz de Piracanjuba/GO explicitou que se daria da seguinte forma: “serão encaminhadas as manifestações jurisdicionais em forma de imagem, via whatsapp, durante o expediente forense, para o telefone indicado pela parte. Esta será considerada intimada caso responda à mensagem no prazo de 24 horas, ainda que fora do horário de expediente forense. Caso não haja resposta no prazo indicado, haverá intimação convencional.”.[3]

Em que pese a manifestação do CNJ sobre o tema ter se dado apenas agora, algumas unidades judiciárias, desde o ano passado, já vem se utilizando do aplicativo para promover as intimações judiciais, a exemplo dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do Rio Grande do Norte, dos Juizados Especiais Federais e Turmas Recursais da 3ª Região e dos Juizados Especiais Cíveis do Rio Grande do Sul.

Além delas, desde 2015, a 7ª Vara Criminal Federal da Subseção Judiciária do Estado de São Paulo, emprega o referido aplicativo para, além de promover intimações de atos judicias, trocar informações sobre o processo, bem como disponibilizar o agendamento de visitas para consulta de autos, audiência com o juiz, retirada de certidões e alvarás, dentre outros.[4]

Diante deste apanhado, vale ressaltar que, da mesma forma quando ocorreu o advento do processo judicial eletrônico, a implementação da utilização desta ferramenta gerou desconforto e até mesmo insegurança entre as partes e operadores do direito mais apegados a métodos tradicionais.

No entanto, é necessário levar em conta que, com advento do Novo Código de Processo Civil, as partes ganharam autonomia para deliberar, e até mesmo modificar, aspectos que envolvam o procedimento do processo judicial que integram. É o que se denomina de “negociação processual”.[5] Este instituto visou, precipuamente, proporcionar um melhor rendimento ao processo judicial, tanto no seu aspecto qualitativo quanto de tempo de duração.

Portanto, nesta perspectiva atual, em termos procedimentais e processuais, havendo expressa manifestação pelo interesse na utilização do aplicativo, não haveriam razões para limitá-lo. Ressalvas, entretanto, podem ser feitas, por se tratar de um software privado, porém, nada impede que sejam desenvolvidas plataformas específicas pelo Poder Judiciário para esse fim.

É, assim, mais uma vez, a tecnologia a favor de uma prestação jurisdicional mais célere ao cidadão, propiciando, deste modo, a escorreita concretização do direito fundamental a uma duração razoável do processo judicial.[6]

[1] Importante ressaltar que a intimação não se confunde com citação. A intimação, nos termos do Código de Processo Civil de 2015, “é o ato pelo qual se dá ciência a alguém dos atos e dos termos do processo.”. Já a citação, “é o ato pelo qual são convocados o réu, o executado ou o interessado para integrar a relação processual.” (CPC/2015, art. 238).

[2] “PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. JUIZADO ESPECIAL CÍVEL E CRIMINAL. INTIMAÇÃO DAS PARTES VIA APLICATIVO WHATSAPP. REGRAS ESTABELECIDAS EM PORTARIA. ADESÃO FACULTATIVA. ARTIGO 19 DA LEI N. 9.099/1995. CRITÉRIOS ORIENTADORES DOS JUIZADOS ESPECIAIS. INFORMALIDADE E CONSENSUALIDADE. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO. 1. O artigo 2º da Lei n. 9.099/1995 estabelece que o processo dos Juizados será orientado pelos “critérios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, buscando, sempre que possível, a conciliação ou a transação”. 2. O artigo 19 da Lei n. 9.099/1995 prevê a realização de intimações na forma prevista para a citação ou por “qualquer outro meio idôneo de comunicação”. 3. A utilização do aplicativo whatsapp como ferramenta para a realização de intimações das partes que assim optarem não apresenta mácula. 4. Manutenção dos meios convencionais de comunicação às partes que não se manifestarem ou que descumprirem as regras previamente estabelecidas. 5. Procedência do pedido para restabelecer os termos da Portaria que regulamentou o uso do aplicativo whatsapp como ferramenta hábil à realização de intimações no âmbito dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais da Comarca de Piracanjuba/GO.” (CNJ – PCA – Procedimento de Controle Administrativo – 0003251-94.2016.2.00.0000 – Rel. DALDICE SANTANA – 23ª Sessão Virtualª Sessão – j. 23/06/2017).

[3] Trecho extraído do próprio teor da decisão do processo administrativo: (CNJ – PCA – Procedimento de Controle Administrativo – 0003251-94.2016.2.00.0000 – Rel. DALDICE SANTANA – 23ª Sessão Virtualª Sessão – j. 23/06/2017).

[4] BRASIL. Justiça Federal do Estado de São Paulo. Disponível em: < https://www.jfsp.jus.br/assets/Uploads/administrativo/NUCS/decisoes/2015/150423whatsapp.pdf>. Acesso em: 28 jul. 2017.

[5]  Nesse sentido prevê o artigo 190: “Versando o processo sobre direitos que admitam autocomposição, é lícito às partes plenamente capazes estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo.

Parágrafo único.  De ofício ou a requerimento, o juiz controlará a validade das convenções previstas neste artigo, recusando-lhes aplicação somente nos casos de nulidade ou de inserção abusiva em contrato de adesão ou em que alguma parte se encontre em manifesta situação de vulnerabilidade.”

[6]  O referido direito fundamental encontra-se previsto no artigo 5º, inciso LXXVIII, da Constituição Federal de 1988, confira-se: “LXXVIII – a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.”.

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